Acessibilidade / Reportar erro

Favela: o desafio de morar na metrópole paulistana

Resumo

Este artigo descreve a evolução recente do tecido urbano na Região Metropolitana de São Paulo e da desigualdade expressa pelas favelas, por meio de dados do Intituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do MapBiomas. Embora o crescimento populacional em todas as sub-regiões tenha decrescido em relação aos períodos anteriores, a chamada periferia ainda cresce mais do que o polo. A estrutura urbana mostra-se altamente segregada, com parte da população pobre morando em favelas. A metrópole, em 2019, apresentava 1.703 favelas, com população de mais de 2 milhões de habitantes, ocupando 12,26% dos domicílios metropolitanos. Como a população nesse tipo de assentamento cresceu quase a 3,44% anuais, a resultante é um adensamento das favelas, com problemas para sua urbanização.

Região Metropolitana de São Paulo; favelas; segregação socioespacial; estrutura metropolitana

Abstract

The text shows the recent evolution of the urban fabric in the Metropolitan Region of São Paulo and the inequality expressed by favelas, using data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics and MapBiomas. Although population growth in all sub-regions has decreased compared to previous periods, the so-called periphery still grows more than the hub. The urban structure is highly segregated, with part of the poor population living in favelas. In 2019, the metropolis had 1,703 favelas, with a population of more than 2 million inhabitants, occupying 12.26% of metropolitan households. As the population in this type of settlement grew at an annual rate of 3.44%, the result was an increase in the number of favelas, which poses problems for urban upgrading.

Metropolitan Region of São Paulo; favelas; socio-spatial segregation; metropolitan structure

Objetivos

Este texto tem como questão norteadora a evolução das favelas no tecido urbano da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Procura responder à seguinte questão: “Como a desigualdade crescente, expressa pelos assentamentos precários, manifesta-se na trama espacial da metrópole?”.

Caracterizando brevemente a dinâmica populacional da região e suas mudanças, o texto focaliza, especialmente, a evolução das favelas, entendidas como locus da precariedade habitacional, ao longo dos anos 2010, explicitando algumas de suas características: onde as favelas mais cresceram e por quê? Para isso, serão utilizados dados dos Censos Demográficos de 1960 a 2022, da pesquisa preliminar do IBGE de 2019IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019). Pesquisa preliminar de 2019., de estimativas da Fundação Seade para 2022, além de informações territoriais do MapBiomas.

Na primeira parte do artigo, serão apresentados os principais elementos que caracterizam a cidade de São Paulo e a metrópole. Na segunda parte, pretende-se mostrar o crescimento de uma das faces da pobreza – a favela – no tecido metropolitano. Sem dúvida, as condições da infraestrutura nesses assentamentos melhoraram nesses 25 anos, tanto na periferia da cidade-polo, como na periferia da metrópole. Mas as desigualdades aumentaram e se refletem fortemente no território.

Estrutura urbana até 2020:1 1 Dados demográficos aqui citados foram divulgados, inicialmente, no Boletim Semanal do Observatório das Metrópoles n. 794, de 27/7/2023. características e tendências

São Paulo é a maior metrópole da América do Sul, com cerca de 11,5 milhões de habitantes no polo e quase 21 milhões no território metropolitano. A chamada Região Metropolitana de São Paulo tem 39 municípios, incluindo a capital. Esses 39 municípios costumam, para efeitos de análise, ser agregados em 5 sub-regiões, além do polo.2 2 Divisão conforme mapa político da região metropolitana e suas sub-regiões (lei complementar estadual n. 1.139, de 16 de junho de 2011): Polo: São Paulo; Sub-região Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha e Mairiporã; Sub-região Leste: Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano; Sub-região Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul; Sub-região Sudoeste: Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista; Sub-região Oeste: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus e Santana do Parnaíba.

A expansão da periferia como local de moradia dos trabalhadores e a substituição do transporte por trilhos pelo rodoviário, a partir de meados do século XX, marcaram um padrão centro-periferia, com o forte incremento populacional dos municípios do entorno da capital. No município-polo, São Paulo, a elite deixou o centro antigo e se deslocou para o sudoeste. Mudanças no padrão produtivo, ligadas à fuga de indústrias da capital e a um menor uso da força de trabalho, já indicavam transformações na metrópole nos anos 1980 e 1990, embora, em 2010, a RMSP ainda concentrasse 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. O perfil metropolitano mudou, com regiões, como o ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema), apresentando forte perda de população operária e outras assumindo o papel de cidades-dormitório da população pobre. O padrão antigo de moradia popular, com compra parcelada em terreno periférico e casa autoconstruída, mudou.

Tabela 1
– Região Metropolitana de São Paulo: população, por sub-regiões e taxas de crescimento, 1991-2022

Mapa 1
– Região Metropolitana de São Paulo e sub-regiões

Essas transformações urbanas guardam relação direta com as mudanças econômicas em curso na RMSP, particularmente com a evolução do PIB e a expansão do setor de serviços, com perda de importância relativa do setor industrial, desde os anos 1970. Nos anos 2000, esse processo se aprofunda. Entre 2003 e 2016, a perda da participação da indústria de transformação no Estado de São Paulo chegou a mais de 6 pontos percentuais, segundo o Mapa da Indústria Paulista (Fundação Seade, 2019FUNDAÇÃO SEADE (2019). Mapa da Indústria Paulista 2003-2016. São Paulo, Fundação Seade 40 anos.). E a Região Metropolitana de São Paulo, que em 2004 era responsável por 39,80% do V.T.I. do Estado de São Paulo, viu essa proporção reduzir-se a 30,22% em 2016 (ibid.).

O crescimento demográfico da metrópole paulista tem diminuído a cada década: se, nos anos 1990, atingia 1,63% ao ano, no início do século atual o ritmo baixou para 0,96% e, no intervalo 2010-2022, foi de 0,44%, a menor taxa já registrada, com aumento de pouco mais de 1 milhão de pessoas em 12 anos. As taxas de crescimento diminuíram em todas as unidades regionais da RMSP, fenômeno verificado desde o Censo de 1970, com exceções pontuais indicadas na Tabela 2. No último período censitário, a única exceção ocorreu na sub-região Oeste, onde a taxa subiu de 1,01% a.a., em 2010, para 1,18% em 2022.

Tabela 2
– ؘRegião Metropolitana de São Paulo: taxas geométricas de crescimento anual, 1950-2022, por sub-região

As taxas de crescimento são maiores nos outros municípios que no município- polo. Mas, em 2022, a razão de crescimento entre as taxas da periferia (outros municípios) e do polo atingiu seu máximo: 5,4, ou seja, a taxa de crescimento demográfico da periferia foi mais que 5 vezes a do polo. Até então, a maior proporção tinha acontecido no período 1991-2000, quando o crescimento populacional nos demais municípios foi 3,2 vezes maior que o do polo. As maiores taxas de crescimento no período 2010-2022 ocorreram nos municípios de Cajamar (3,12%), Santana do Parnaíba (2,94%), Cotia (2,60%) e Barueri (2,31%), aliás, as únicas superiores a 2% entre todos os municípios metropolitanos.

Cajamar é um município da sub-região Norte, onde empresas ligadas a logística têm se situado nos últimos anos, e recebeu inúmeros empreendimentos Minha Casa Minha Vida, que se responsabilizaram pelo incremento da população em mais de 28 mil pessoas, ou seja, 44,56% a mais que sua população em 2010. Santana do Parnaíba tem tido taxas altas desde a década de 1980, mas essa taxa de 2,94% anuais representou apenas um crescimento de 8.387 pessoas no período de 12 anos. Assim, entre os municípios que mais cresceram, dois estão na sub-região Oeste, um na Norte e um na Sudoeste.

A sub-região Norte, com taxa de 1,11% anuais, é o segundo segmento espacial na ordenação das taxas de crescimento demográfico. Mas, basicamente, apenas Cajamar apresentou taxa elevada. Mairiporã, que nos anos 2000 crescia a 3,02% ao ano, entre 2010 e 2022, baixou seu crescimento para 1,22% a.a. Franco da Rocha, Francisco Morato e Caieiras, que cresciam acima de 1% na década 2000-2010, reduziram seu crescimento para taxas menores do que a unidade.

Já o município de São Paulo cresceu pouco nas últimas décadas. Teve um crescimento de apenas 206.876 habitantes entre 2010 e 2022, um aumento total de apenas 1,8% a.a. em 12 anos. Na sub-região Oeste da RMSP, o aumento foi de quase 260 mil pessoas, pouco mais de 15% da população de 2010, concentrado, sobretudo, em Osasco e Barueri. Por sua vez, a região Sudeste, onde se localiza o ABCD, mostra os menores índices de crescimento, sem contar o polo. O peso do município central no estado de São Paulo reduziu-se de 30,57%, em 1991, para 25,78%, em 2022. Além da sub-região Oeste e da sub-região Norte, a sub-região Sudoeste (Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista) também apresentou taxa de crescimento maior que 1% no período 2010-2022, após ter mostrado taxa elevada entre 2000 e 2010 (2,30% ao ano). São cidades-dormitório, com grande proporção de população pobre, como é o caso de Cotia (3,06% de crescimento demográfico nos últimos 31 anos), Vargem Grande Paulista (3,79% entre 1991 e 2022) e São Lourenço da Serra (2,43% no período).

A que se deve esse menor crescimento metropolitano em São Paulo? Algumas hipóteses se colocam, entre elas, as mortes causadas pela pandemia de covid-19 (na RMSP, 95 mil óbitos, dos quais 45 mil no município); as mortes causadas pela epidemia de zika alguns anos antes, assim como a postergação de gravidez oriunda dessa ameaça; a saída de jovens da metrópole pelo enfraquecimento da economia; a queda da fecundidade e da natalidade maior que o esperado; a expansão do home office, que estimulou a busca por moradias em locais mais tranquilos, menos densos e mais baratos.

As cidades metropolitanas, no conjunto, apresentaram grande crescimento populacional, servindo, não raro, como cidades-dormitório. As taxas de incremento populacional dos outros municípios metropolitanos têm sido, desde os anos 1980, superiores às taxas da capital. Entre 2000 e 2010, a taxa da capital foi de 0,76% anuais, enquanto a dos outros municípios alcançou 1,25%. E, no intervalo 2010-2022, as taxas indicam 0,44% e 0,81%, respectivamente. O padrão periférico ainda se mantém, tanto dentro do tecido urbano paulistano como em relação aos municípios da periferia.

Tabela 3
– Região Metropolitana de São Paulo: taxas de crescimento populacional, segundo o polo e outros municípios, 1950 a 2022

A densidade demográfica da metrópole como um todo é ainda bastante baixa, de 26 hab/ha. Alguns municípios, entretanto, já apresentam densidades elevadas, como Taboão da Serra, com 137,17 hab/ha; Diadema, com 127,96 hab/ha; Pirapora do Bom Jesus, com 114,46 hab/ha; Carapicuíba, com 112,06 hab/ha; e São Caetano, com 108,05 hab/ha. O município de São Paulo apresentou, em 2022, a densidade bruta de 75,28 hab/ha.

O Censo 2022 apontou que o número de domicílios, no Brasil, cresceu a taxas muito maiores que a população. A quantidade de domicílios particulares permanentes aumentou de 57.324.167, em 2010, para 72.446.745, em 2022, a uma taxa de 2,81% anuais, bem maior que a taxa de incremento populacional brasileira, de 0,52% ao ano. Para a metrópole de São Paulo, a taxa de crescimento domiciliar foi de 1,93% anuais, ou seja, 4,39 vezes maior que o crescimento populacional (Tabela 4). No estado de São Paulo, a taxa de crescimento populacional foi de 0,65% e a domiciliar, de 1,98, 3,41 vezes maior. Na década 2000-2010, esse fenômeno já ocorria, mas com menor intensidade: para a metrópole, como um todo, a taxa de crescimento domiciliar (1,93%) foi 2 vezes maior que a populacional (0,96%) nos anos 2000. Como consequência, houve uma importante redução da média de moradores por domicílio, que passou de 3,58, em 2000, para 2,73, em 2022 (Tabela 5).

Tabela 4
– Região Metropolitana de São Paulo: comparação das taxas de crescimento populacional e domiciliar (domicílios particulares permanentes) por sub-região
Tabela 5
– Região Metropolitana de São Paulo: habitantes por domicílios particulares permanentes, por sub-região

De um lado, os municípios periféricos da metrópole apresentam maior percentual de domicílios pobres (sem rendimento e de até 1 salário-mínimo mensal) que a capital: eram 14,04% dos domicílios dos outros municípios e 13,14% dos domicílios da capital, em 2010. De outro lado, a riqueza habita principalmente o município da capital, onde 12,59% das casas apresentavam renda domiciliar maior que 10 salários-mínimos nessa data. Já, na periferia, apenas 8,59% dos domicílios situados nos outros municípios apresentavam esse patamar de renda domiciliar.

A sub-região com maior proporção de domicílios com até 2 salários-mínimos mensais era a Norte, com quase 60% dos seus domicílios nessa faixa de renda. O polo e a sub-região Sudeste agregavam as maiores percentagens de domicílios com renda superior a 10 salários-mínimos, em 2010: 22,34% e 15,86%, respectivamente. Nas sub-regiões Leste, Oeste e Sudoeste. a percentagem de domicílios pobres, com rendimentos até 2 salários-mínimos, estava por volta de 55% em 2010 (Tabela 6).

Tabela 6
– Região Metropolitana de São Paulo: renda domiciliar, por sub-região, 2010 (em %)
Tabela 7
– Região Metropolitana de São Paulo: situação dos domicílios da metrópole segundo a infraestrutura, 2010

Chama, também, a atenção que o percentual de imóveis alugados, em 2010, seja bem maior no município central (23,53%) que nos outros municípios da metrópole (19,26%). No Brasil, existe uma associação entre pobreza e moradia própria, alimentada pela forma tradicional de obtenção da casa por camadas de renda baixa, ou seja, loteamento periférico – casa própria – autoconstrução. Assim, a proporção de casas próprias e cedidas nos outros municípios metropolitanos é de quase 80%, enquanto no município central era, em 2010, de 75,2%.

A situação em relação à infraestrutura básica, em 2010, mostrava-se bastante razoável, tanto no município central como nos outros municípios da metrópole. Note-se que, já em 2010, esses dois segmentos territoriais possuíam infraestrutura básica, embora, nos outros municípios, a cobertura da rede de esgoto fosse de apenas 80,92% e um percentual bastante alto dos domicílios na periferia não contasse com medidor exclusivo de energia.

O município de São Paulo nunca foi capital nacional. Aliás, até meados do século XIX, era um pequeno centro regional de pouca relevância. No fim do século XIX, a cidade começou a se desenvolver, primeiro como centro de negócios para a economia cafeeira do estado de São Paulo e, mais tarde, pós-Primeira Grande Guerra, como centro da nascente indústria brasileira. Recebeu grandes levas de migrantes internacionais da Itália, do Japão, da Síria e da Europa Oriental, assim como forte migração interna das regiões pobres do País.

Entre 1940 e 1980, os fluxos nacionais foram explosivos, elevando o crescimento demográfico da cidade a taxas maiores que 5% ao ano. Esses fluxos foram apenas em parte absorvidos pelos mercados urbanos e industriais, gerando alto desemprego e um vasto exército de trabalhadores precários e informais. Apesar das melhorias nas condições de infraestrutura, tanto na capital como na metrópole, a população pobre povoou vastas periferias segregadas e, até pouco tempo atrás, bastante homogêneas. O aumento da população alocava-se principalmente na periferia do município. Entre 2010 e 2020, o incremento demográfico foi pequeno, de pouco mais de 600 mil pessoas, mas, deste total, 70% residiam na periferia. No período 2010-2022, o incremento populacional no município de São Paulo foi de pouco mais de 200 mil pessoas. Até o momento em que este artigo foi escrito, os dados populacionais por distrito ainda não tinham sido publicados. Utilizando as proporções que constavam nas projeções da Fundação Seade para 2022 por anéis, o anel periférico, embora com taxas cada vez menores por período intercensitário, ainda era o responsável pela totalidade do incremento demográfico no período, já que os anéis centrais e interior tiveram crescimento mínimo (de apenas 15.486 pessoas), e os anéis intermediário e exterior teriam apresentado uma perda de quase 47 mil moradores. Assim, apesar das taxas positivas de crescimento no centro expandido, a expansão da cidade continua periférica.

De um lado, a estrutura urbana é marcada por grande segregação, com as camadas sociais mais ricas morando nas porções centrais, mais equipadas, e a pobre em assentamentos irregulares e favelas. Hoje essas periferias são também locais de condomínios fechados, abrigando classes sociais mais altas, e são objeto do mercado imobiliário para classes de renda média baixa. Mas a desigualdade não se alterou substancialmente. A estrutura pode não ser tão clara como nos anos 1980/1990, mas segue injusta e segregada. Percebe-se, no entanto, uma melhora das condições de infraestrutura, com praticamente todos os domicílios municipais tendo acesso a energia elétrica, água de rede pública e coleta de lixo. A maior diferença refere-se ao destino dos dejetos: nos anéis centrais, 99% das casas eram ligadas à rede pública de esgotos, enquanto, no anel periférico, esse percentual ficava em torno de 85% (dados de 2010).

De outro lado, percebem-se alguns fenômenos novos nessa periferia, que constitui um espaço mais heterogêneo: com condomínios horizontais e verticais e produção formal de moradias para população de baixa renda, passou a abrigar fortes bolsões de pobreza. Entre fevereiro de 2020 e setembro de 2022, a periferia sediou quase 300 movimentos de moradia (eram 218, em 2020, e aumentaram para 516 em 2022), compostos por pessoas em extrema situação de vulnerabilidade, que não conseguiam mais pagar aluguel, nem mesmo em favelas (Machado, 2022MACHADO, L. (2022). Fome e crise estão abrindo "hiperperiferias" em São Paulo. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62920776. Acesso em: 29 set 2020.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62...
). Essa nova periferia é desprovida de infraestrutura e apresenta condições de vida muito precárias.

A Tabela 8 ilustra o crescimento populacional nos chamados anéis (segmentos territoriais do tecido urbano municipal de São Paulo) desde os anos 1960 (Pasternak-Taschner e Bógus, 2000PASTERNAK-TASCHNER, S.; BÓGUS, L. (2000). "A cidade dos anéis: São Paulo". In: QUEIROZ RIBEIRO, L. C. (org.). O futuro das metrópoles: Desigualdade e governabilidade. Rio de Janeiro, Revan, pp. 247-284.).

Tabela 8
– Município de São Paulo: taxas geométricas de crescimento populacional por anel, 1960 a 2022

Até os anos 1990, o padrão de crescimento do município de São Paulo caracterizava-se pelos distritos centrais, com melhor infraestrutura, perdendo população, e o chamado anel periférico crescendo de forma desordenada e horizontal. As taxas de crescimento dos anéis central, interior e intermediário, entre 1980 e 2000, foram negativas, mostrando uma perda de população de mais de 500 mil residentes no período (ibid.). Já pós-reestruturação produtiva, que redefiniu o papel econômico da metrópole e de sua capital, algumas mudanças do padrão de crescimento se fizeram notar. Não é possível chamar essa mudança de reversão do padrão periférico de crescimento, pois ele ainda atua, sendo responsável por praticamente todo o crescimento populacional no período 2010-2022. Mas os distritos centrais pararam de perder população.

Sumarizando, as taxas de crescimento demográfico vêm diminuindo, sobretudo no município de São Paulo. A dinâmica populacional interna aparentemente continua semelhante entre as sub-regiões, com o Sudeste, o Leste e o Polo com taxas pequenas e as sub-regiões Sudoeste, Norte e Oeste ainda com taxas maiores, mas com números absolutos menores que na década de 2000. Todas as regiões, com exceção da sub-região Oeste, apresentam taxas de crescimento menores nos anos 2010 que nos anos 2000.

A taxa de crescimento dos domicílios manteve-se estável para a RMSP durante duas décadas (1,93% para os dois períodos intercensitários), apesar da diminuição do crescimento populacional. Isso mostra uma expansão do ambiente construído bem maior que a da população, o que ocasiona uma expansão da área ocupada, embora a verticalização, sobretudo no centro expandido, aumente cada vez mais. Deve-se notar, entretanto, que para alguns municípios os dados censitários apontam dinâmicas distintas, com enorme crescimento de unidades domiciliares, bem superior ao crescimento demográfico. Cajamar, Guararema, Santana do Parnaíba e Cotia tiveram um incremento de domicílios superior a 4% ao ano, num incremento total de 75 mil casas e aumento populacional de mais de 550 mil habitantes, o que proporcionaria, com a densidade domiciliar calculada para 2022, 56 mil casas apenas. Mesmo no município de São Paulo, o incremento de 746 mil domicílios particulares, para um aumento de quase 207 mil pessoas, merece um olhar mais aprofundado. Entre os 4,3 milhões de domicílios particulares permanentes do município de São Paulo, há quase 589 mil vagos e 87 mil de uso ocasional. Ou seja, 13,67% das unidades domiciliares da cidade estão vagas e 2% são de uso ocasional, mostrando um aumento da proporção de domicílios vagos, que eram 293.621, em 2010, num total de 3.935.645 domicílios particulares permanentes (7,46%).

A estrutura urbana pós-pandemia

Em 2020, a pandemia de covid-19 ainda trouxe novas variáveis para um tecido urbano já estruturalmente inadequado. Aumento do desemprego, abandono de lajes comerciais, fechamento de postos de serviços e lojas trouxeram maior desigualdade e pobreza.

O Censo de 2022 mostrou redução de crescimento da cidade de São Paulo e da metrópole. ”O fato de a população não crescer não significa que a cidade parou de se expandir. E é a questão crucial que precisa ser revista”, de acordo com o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, em depoimento para o jornal Valor Econômico (22 a 24 de julho de 2023, p. A 4). Os dados de 2022 mostram a expansão populacional no anel periférico. E expandir a cidade traz problemas de expansão e custo de infraestrutura, mobilidade, equipamentos sociais. A expansão, como ocorre em São Paulo, não raro se dá em áreas pobres, com pouca ou nenhuma infraestrutura. Pelo menos, aparentemente, não há perda de moradores no centro expandido (anéis central e interior), área com maior vitalidade e bem servida de equipamentos. Os dados sobre densidades demográficas dos diferentes locais mostram, como já foi dito, que 6 municípios da RMSP, Taboão da Serra, Diadema, Osasco, Carapicuíba, São Caetano do Sul e o próprio município de São Paulo, estão entre os mais densos do Brasil.

A densidade deve ser analisada com um olhar mais local, para segmentos da área urbana, e não apenas por município. Densidades muito altas podem se refletir em esgotamento da infraestrutura urbana e perda de qualidade de vida. Mas densidade elevada nem sempre é ruim, gerando menor custo para a cidade. É importante identificar vazios urbanos em áreas infraestruturadas e destiná-los a políticas de habitação, sobretudo para populações de baixa renda. As favelas na metrópole tendem a surgir em terrenos situados em locais desprezados pelos empreendedores imobiliários, em geral, áreas impróprias para edificação. E este é o único local onde se dá o consumo possível de habitação para as populações pobres.

As feições da cidade-polo já estão mudando. Em 2000, a área construída em casas era de 158,4 milhões de m2 e a de residências em prédios, 104,2 milhões de m2. Vinte anos depois, em 2020, apartamentos ocupavam 190,4 milhões de m2 e casas, 187,7 milhões de m2 (Vila Olímpia..., 2022, a partir de estudos do CEM, com dados da Secretaria Municipal da Fazenda para o IPTU). Esses dados contabilizam apenas os imóveis formais, o que exclui grande parte das construções irregulares, sobretudo as favelas, que também estão se verticalizando...

Em relação às mudanças observadas durante a pandemia, com o home office e o fechamento de pontos comerciais, restaurantes, bares, cinemas e teatros, algumas perguntas se colocam, como: “será que as lajes corporativas voltarão a ser ocupadas de forma plena?”. Em alguns locais na capital, como na Vila Olímpia e no corredor Berrini, percebe-se um esvaziamento. Em dezembro de 2019, a vacância dos imóveis corporativos na Vila Olímpia era de 10,5% do total. Em 2020, o índice subiu para 24,5% e, no fim de 2021, chegou a 29,4% (Vila Olímpia..., 2022, p. B3, com dados do Secovi). “Esses índices retornarão aos níveis da pré-pandemia?”; “E as inúmeras pequenas lojas, bares e restaurantes da área, agora fechados?”; “O incentivo ao home office continuará e será tendência, modificando essas partes da cidade?”. Na avenida Paulista, em dezembro de 2019, a taxa de vacância para imóveis corporativos era de 10,7%, subiu para 14,4%, no início de 2020, e para 17%, no fim de 2021.

Como o retorno em massa aos escritórios ainda é incerto e o home office se estabeleceu como alternativa, a pandemia suscitou debates em torno do futuro das áreas comerciais. Regiões dos principais centros financeiros sofrem com as consequências do êxodo dos escritórios. A maior parte do trabalho que era neles realizado migrou para as residências ou para centros de coworking próximos aos domicílios dos trabalhadores. A pandemia arrastou-se por 2022. Qual será o futuro dos distritos comerciais urbanos? Segundo os autores de um artigo do The Economist, no mundo todo, escritórios desocupados representam 12% do total. Em Londres, 18% estão vazios. Em Nova York, são quase 16%. Tradicionalmente formando a maior parte das carteiras de imóveis comerciais nos EUA, os escritórios representaram menos de um quinto das transações em 2021. Escritórios vazios também impactam o sistema de transporte, provocam queda de receitas fiscais, fechamento de pontos de apoio, como lanchonetes, bares e restaurantes, menos movimentação no comércio do entorno. Ruas vazias, placas de aluga-se e vende-se. Restaurantes, cafés e cabeleireiros fecharam as portas. Em meados de 2023, empresários e empregados discutem a volta ao trabalho presencial.

De outro lado, com o aumento da pobreza e da desigualdade social, marcas físicas dessa degradação urbana aparecem ainda mais fortemente.

A metrópole, as favelas e a população em extrema pobreza

À estrutura metropolitana já complicada em 2019, agregam-se moradores em situação de rua. Dados do Censo de População de Rua, feito entre outubro e dezembro de 2021, mostraram que 31.884 pessoas eram sem-teto na cidade de São Paulo, com aumento de 31% em relação ao censo anterior, de 2019, realizado na pré-pandemia (Hiperverticalização..., 2022, p. B1). Em algumas avenidas paulistanas, o canteiro central é uma fila de tendas sem fim. A ocupação de áreas de risco aumentou também em todos os municípios da Grande São Paulo. Publicação do Instituto Geológico, sem considerar a capital, coloca que mais de 132,3 mil imóveis estão em áreas de risco classificadas como alto ou muito alto risco, sobretudo em Embu, Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, na sub-região Norte. Além destes, outros municípios com número absoluto de imóveis em áreas de alto e muito alto risco são: Santo André (17,5 mil imóveis), Guarulhos (15,7 mil), São Bernardo do Campo (15,1), Mauá e Mogi das Cruzes (ambos com 10,4 mil), Itapevi (8,2 mil) e Itaquaquecetuba (7,4 mil) (jornal O Estado de S.Paulo, 1º fevereiro de 2020, p. A19).

Levantamento realizado pelo MapBiomas, com base em imagens de satélite captadas a partir de 1985, mostrou que, no Brasil, as favelas crescem em ritmo acelerado e já ocupam 106 mil hectares, ou seja, uma área equivalente a 69,59% da área total do município de São Paulo e a 3,1 vezes a cidade de Salvador, na Bahia. E, a cada 100 hectares que esses espaços ganharam entre 1985 e 2021, 15 estão em áreas de risco. Para o estado de São Paulo, a expansão da área urbanizada formal foi de 327.601 hectares e de 9.020 hectares para a área informal, ou seja, 2,7% do incremento de área, no período, ocorreu pelo crescimento de favelas.

A área ocupada pelas favelas na metrópole de São Paulo cresceu, entre 2000 e 2010, de 10.108,9 hectares para 10.682,0. Em 2019, foi estimada em 11.377,5 hectares. Como a população residente nesses assentamentos na metrópole aumentou 3,93% ao ano, entre 2000 e 2019, e a área aumentou a taxa bem menor, de 0,59% anuais, há indicação de crescente adensamento e verticalização nas favelas metropolitanas. O aumento de área de 1.196,59 hectares em 19 anos representa um acréscimo de 11,75% na área identificada, em relação ao início do século, em 2000.

No município de São Paulo, os dados do MapBiomas indicam uma área ocupada por favelas de 529.921 hectares em 2019. Ou seja, entre 1985 e 2019, houve um incremento de 2.547,41 hectares de área e de 448.312 domicílios localizados em favelas. A densidade de domicílios passou de 14,54 domicílios por hectare, em 1985, para 64,92 domicílios por hectare, em 2019, equivalente, conservando-se a densidade domiciliar de 3,70 para 2019, a densidades demográficas de 68 hab/ha e 240 hab/ha. Um aumento, portanto, de 2,53 vezes. As taxas de crescimento dos domicílios em favelas sempre foram superiores às taxas de crescimento das áreas ocupadas. Em síntese, entre 1985 e 2019, a área ocupada por favelas na cidade de São Paulo cresceu à taxa de 1,11% ao ano, enquanto os domicílios situados nas favelas cresceram à taxa 5 vezes maior, de 5,66% anuais.

Tabela 9
– Município de São Paulo: áreas, domicílios e população residente em favelas, 1985 a 2019

A Região Metropolitana de São Paulo apresentava, em 2010, a maior concentração de favelas do Brasil, com 1.703 aglomerados (27% do total de favelas brasileiras) e população residente de mais de 2 milhões de pessoas (19% da população brasileira residente em favelas). Apenas as cidades de São Paulo, Guarulhos, Osasco e Diadema possuíam, no ano 2000, 938 favelas – cerca de um quarto das favelas do País. Em 2010, esses 4 municípios contavam com 1.348 aglomerados, 21% do total de aglomerados no Brasil. Em 2019, esses mesmos quatro municípios (São Paulo, Guarulhos, Osasco e Diadema) contabilizaram 640.988 casas em favelas, 74% das casas em favela da metrópole. Por sua vez, a Região Metropolitana de São Paulo, com um total de 866.177 unidades habitacionais em favelas, representou 16,89% dessas unidades no Brasil, em 2019.

Conforme mostra a Tabela 10, a proporção de domicílios em favelas nos municípios periféricos vem aumentando desde 1991. Assim, essa proporção, que era de 5,95% em 1991, alcançou 9,23%, em 2000, chegando a 9,58%, em 2010, e a 11,35% em 2019. A taxa de crescimento na capital foi enorme: devido ao crescimento das unidades em favela no município de São Paulo, houve 18% do crescimento absoluto das casas, no período 2010-2019, e 24% nas décadas 2000-2010. Nos municípios periféricos, o crescimento de domicílios, entre 2010 e 2019, é integrado pelo aumento de 95.533 unidades em favelas, o que representa 21,24% do crescimento do parque domiciliar em assentamentos informais. Embora a favelização esteja atingindo os municípios da periferia metropolitana, na última década a concentração relativa aumentou na capital. Se, em 1991, 61% das unidades de moradia em favela estavam na capital, essa proporção caiu para 55%, em 2000. Mas tornou a subir para 60%, em 2010, e para 61%, em 2019. Na década de 1990, a taxa de crescimento dos domicílios favelados nos municípios periféricos era quase o dobro dessa taxa para o município da capital. Na primeira década deste século ocorreu o inverso: a taxa dos domicíos em favelas periféricas, de 2,49% ao ano, foi 64% da taxa da capital. Nos anos 2010 a 2019 a taxa desses domicílios periféricos novamente aumentou, perfazendo 3,78 % anuais, mais de 80% da taxa de crescimento dos domicílios em favelas na capital. Além disso,o custo de transporte pode estar afetando a favelização da capital, e a existência de unidades verticalizadas ampliou a oferta de moradias nas favelas do município central, perto de empregos e de oportunidades de rendimentos. Uma hipótese que se coloca fortemente é o aumento da oferta de unidades de aluguel nas favelas da capital.

Tabela 10
– Região Metropolitana de São Paulo: domicílios totais e em favelas, 1991 a 2019

Entre os 39 municípios metropolitanos, incluindo São Paulo, 24 apresentam favelas no seu tecido urbano. Em alguns municípios da metrópole, o percentual de domicílios favelados é grande, superior a 10%: Mauá (20,04% em 2010 e 22,85% em 2019), Diadema (20,97% em 2010 e 20,55% em 2019), São Bernardo do Campo (20,04% em 2010 e 18,15% em 2019), Taboão da Serra (11,02% em 2010, e 11,95% em 2019), São Paulo (11,42% em 2010 e 12,91% em 2019) e Embu (13,14% em 2010 e 14,92% em 2019).

Dados do levantamento do IBGE para o Censo de 2020 sobre favelas, realizado em 2019, mostram o grande crescimento dos domicílios em favelas na metrópole: se, em 2000, o número de casas em favelas, na Região Metropolitana de São Paulo, era 416.143, em 2019 esse número subiu para 866.177, representando 12,26% do total de domicílios.

A maior proporção de domicílios em favelas está na sub-região Sudeste, com mais de 15% de suas unidades de moradia nesses assentamentos. No Polo, a proporção alcança 12,91%. Mas o percentual de casas em favelas é significativo e crescente em todas as sub-regiões da metrópole (Tabela 11).

Tabela 11
– Região Metropolitana de São Paulo: domicílios totais e em favelas, 2000 a 2019
Tabela 12
– Região Metropolitana de São Paulo: taxas de crescimento anuais da população, área e domicílios em favelas, 2000 a 2019, por sub-região

Embora a sub-região Norte não apresente a maior proporção de domicílios favelados, ela possui a maior taxa de crescimento domiciliar nos últimos 19 anos: 11,22% no período. Mostra também o maior crescimento em área ocupada por favelas, de 1,08% anual. Lembrando: esta era a sub-região com maior proporção de domicílios pobres em 2010, com 60% dos domicílios com renda mensal de até dois salários-mínimos. A área ocupada por favelas na sub-região Norte foi de 424,22 hectares em 2000, passando a 520,25 em 2019, um aumento de 96 hectares em 19 anos, 23% da área em 2000. Trata-se de uma região montanhosa, com parte considerável localizada em área de proteção ambiental, sujeita a deslizamentos e de difícil urbanização.

As densidades demográficas nos assentamentos de favelas estão aumentando em todos os segmentos espaciais. O Polo e o Sudeste apresentam densidades superiores a 300 hab/ha, tornando complicado o processo de urbanização sem remoção de famílias. Na sub-região Norte, a densidade ainda é menor, e as favelas parecem ser mais recentes, embora a topografia seja um empecilho. Esse aumento da densidade se deve tanto à ocupação dos espaços vagos dentro das favelas, como à verticalização crescente que tem sido observada. Em 2010, a verticalização das favelas na metrópole alcançava 62,29% das unidades construídas. No município de São Paulo, a proporção das unidades verticalizadas era mais alta, de 69,52%. Mas, mesmo nos outros municípios metropolitanos, o percentual era de 51,60%. A leitura territorial, em 2010, mostrou que não havia espaçamento entre 84% dos domicílios favelados; essa proporção variava pouco entre as unidades de domicílios favelados no município-polo e nos outros municípios metropolitanos.

Artigo da Folha de S.Paulo (pp. B1 e B2, de 7 de setembro de 2019) com a manchete “A hiperverticalicalização chega a favelas em São Paulo, onde lajes se sobrepõem”, relatava que as favelas paulistas estavam cada vez mais ocupadas por pequenos prédios apontando, como causa maior, o crescimento familiar e a busca por auferir renda extra. Famílias cada vez mais ocupam favelas ao longo de gerações. Assim, quando crescem e formam novos núcleos, uma nova laje é a forma mais utilizada para abrigá-las. Uma outra forma de auferir renda extra é a construção de novas unidades, no mesmo lote já ocupado. A demanda existe, e a população moradora responde a essa demanda construindo novas lajes. Mas, com tantos pequenos prédios, o trânsito aumenta e os problemas de insolação e ventilação crescem de forma assustadora. Além disso, como essas construções não têm supervisão técnica adequada, oferecem riscos. Dados do Censo de 2022 vão possibilitar a comparação entre a verticalização de 2010 e a existente em 2022.

Tabela 13
– Região Metropolitana de São Paulo: domicílios em favelas, por número de pavimentos, no município-polo e nos demais municípios, 2010

Tabela 14
– Região Metropolitana de São Paulo: densidades demográficas nas favelas, por sub-região

Em síntese, a estrutura metropolitana apresenta agora ainda maiores sinais de fragilidade, com aumento de favelas em todas as sub-regiões, sobretudo na sub-região Norte, onde a taxa de aumento domiciliar das casas em assentamentos subnormais/favelas foi maior que 15%. Na capital paulistana, o aumento das favelas (quase 13% das casas da cidade estão em áreas faveladas) atesta as piores condições do tecido urbano, apesar dos esforços dedicados à urbanização de favelas, ainda que o Censo de 2010 tenha apontado uma grande melhora sanitária nos domicílios em favelas da cidade de São Paulo, com 94% utilizando água da Sabesp e 67,4% com esgotamento sanitário pela rede pública. É provável que as favelas recentes, menos estruturadas, apresentem unidades domiciliares e infraestrutura mais precárias.

Alguns trabalhos, analisando as favelas recentes na metrópole, mostraram que, entre essas favelas, a precariedade era dominante: 43% delas eram constituídas majoritariamente com madeira, e 72% do material predominante nos telhados era fibrocimento (Senger, 2019SENGER, S. (2019). Favelas recentes na metrópole de São Paulo. Um olhar sobre o surgimento e a territorialidade. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 48). Senger trabalhou com 117 favelas em 2017, que não existiam em 2010, localizadas, prioritariamente, nas áreas mais periféricas da conurbação urbana de São Paulo.

A zona que mais apresentou concentração de favelas recentes foi a Leste, sobretudo em Mauá, Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos e Suzano. Nota-se também uma considerável concentração de novos núcleos na região oeste da capital e municípios próximos – Carapicuíba, Embu das Artes, Osasco e Taboão da Serra, totalizando 27 novas favelas nessas localidades. Outra observação relevante se refere aos 19 aglomerados de favelas que surgiram a norte, localizando-se muito próximos ao limite com a Serra da Cantareira, tanto no município de São Paulo como em Guarulhos. (Ibid., p. 44)

Vale a pena notar também o aumento da densidade demográfica das favelas em todas as regiões da metrópole, o que será desafiante para projetos de urbanização, demandando novo aporte de unidades construídas e verticalizadas.

O município de São Paulo e as favelas

A Tabela 8 mostrou que o crescimento demográfico do município de São Paulo no período 2010-2022 foi pequeno, de apenas 0,15% anual, correspondendo a um acréscimo populacional de menos de 200 mil pessoas. Nos seus aspectos intraurbanos, a cidade, que entre 1980 e 2000 perdeu população nos três anéis centrais, inverte a tendência em 2000, embora a taxa de crescimento do anel periférico ainda seja a maior. Em números absolutos, o anel periférico ganhou 491.491 moradores nos anos 2000, enquanto os três anéis centrais mostraram um incremento de 216.295 habitantes no período 2000-2010, menos que a metade do anel periférico. No intervalo 2010-2022, os dois anéis mais centrais ainda apresentam taxas positivas, mas em números absolutos as estimativas mostram um acréscimo de apenas 15.486 pessoas, enquanto no anel periférico, também com taxa pequena, o aumento estimado foi de 229 mil moradores. Nos anéis intermediário e exterior, estimou-se uma perda populacional de quase 47 mil pessoas.

A taxa de incremento da população residente em favelas tem sido sempre bem maior que a taxa de crescimento da população total: no período 1991-2000, foi 2,72 vezes a da população total; entre 2000 e 2010, esse número alcançou 4,24; e no último intervalo, de 2000 a 2019, foi 7,73 vezes maior. De certa forma, a cidade está se favelizando. Até 2010, o crescimento da população residente nesses assentamentos era prioritariamente periférico. As favelas mais centrais, sobretudo com a verticalização, aumentaram a população. Durante a pandemia, a simples observação atestava esse aumento. Mas a maioria delas ainda se aloca na periferia.

Nota-se também que, pelo menos até 2010, a densidade demográfica nas favelas do município era bastante alta: 297,45 habitantes por hectare, pelos dados censitários. Nessa mesma data, a densidade demográfica do município como um todo era 73,98 habitantes por hectare. Assim, a densidade nas favelas era mais de 4 vezes maior que a municipal. Tanto a falta de área livre como a verticalização crescente são responsáveis por essa cifra. No anel interior, a densidade média nas favelas atingia, em 2010, mais de 900 habitantes por hectare. Já, em 2019, conforme dados do MapBiomas, a densidade era de 326,60 habitantes por hectare nas favelas paulistanas, um crescimento de mais de 31% nos 9 anos de pesquisa. Para o município como um todo, a densidade demográfica foi, em 2022, de 75,28 hab/ha. Ou seja, a densidade nas favelas é mais que o quádruplo da densidade demográfica média da cidade, e está aumentando. Isso mostra a dificuldade de urbanização desses assentamentos sem se deslocarem camadas relevantes da população moradora e a necessidade de verticalizar a construção de moradias, para garantir a manutenção do máximo de moradores na comunidade.

Morar em favela no Brasil já não é o mesmo que no século passado: 88% dos domicílios de favelas são servidos por rede pública de água, 56% por rede de esgoto, 76% têm algum tipo de coleta de lixo e 72% usufruem de energia elétrica com medidor domiciliar instalado. Na capital, pelos dados de 2010, cerca de 90 mil unidades domiciliares situa-se em encostas com declive acentuado, sobretudo nos anéis exterior e periférico. E a verticalização das casas nas favelas do município é grande: 70% das moradias têm mais de 1 pavimento. Alguns distritos apresentam grande proporção de residentes nessas áreas. Entre os 96 distritos que compõem o município, havia, em 2010, 15 com mais de 10% da população em favelas. Os dados ilustram o fato de que, entre as 355.756 unidades domiciliares em favela no município de São Paulo, em 2010, 24,70% alocam-se às margens de cursos de água, quase 2% são palafitas e 2,5% estão em unidades de conservação. Isto soma cerca de 102 mil domicílios, estimando-se em mais de 377 mil pessoas sujeitas a constantes riscos de alagamento ou solapamento. A favela ocupa o espaço de forma específica: é precariamente arruado e mais denso que o espaço formal, dois complicadores para serviços urbanos importantes, como o acesso de ambulância, polícia, bombeiros e a coleta de lixo. Aliás, a presença de montes de lixo e entulho, atraindo artrópodes, mosquitos e ratos, é uma constante. Em relação à morfologia, a casa da favela paulistana, no ano de 2010, era predominantemente de alvenaria (96,31%), com uma média de 4,10 cômodos por domicílio e 2,24 pessoas por dormitório. Entre as unidades construídas em alvenaria, 26% não possuíam revestimento. A aparência de um eterno canteiro de obras domina a favela. A precariedade do esgotamento sanitário persiste: pelo Censo de 2000, 51% das casas nas favelas paulistanas estavam ligadas à rede pública de esgotos, proporção que aumenta para 67,4% em 2010, mostrando o resultado da política de urbanização de favelas, tanto municipal como federal. Mas 30% das unidades não apresentam ainda destino adequado de dejetos. Quase a totalidade das casas em favelas do município usufruía da rede pública de água, assim como de energia elétrica, sendo que em 67,15% dos domicílios o medidor era individual. Assim, o espaço favelado tem certa especificidade urbanística, mas suas unidades de moradia aproximam-se das unidades pobres de qualquer loteamento periférico.

Considerações finais

Este artigo descreve e analisa a estrutura metropolitana da RMSP desde o início de sua expansão até 2010, observando o menor crescimento demográfico a cada década em todas as sub-regiões, acentuadamente no polo e na região Sudeste. Em 2020, o crescimento da chamada periferia (outros municípios que não a capital) atinge seu máximo em relação ao polo, perfazendo um crescimento cinco vezes o do município central. Percebe-se, assim, um nítido movimento de periferização da população metropolitana.

Algumas hipóteses foram levantadas de modo a explicar o menor crescimento da capital em período recente: os mortos por covid-19 e zika, mais abundantes na capital; a expansão do home office, que fez como que parcela dos moradores optasse por sair de áreas densas do município de São Paulo e passasse a residir em locais com mais área livre; a saída de parcelas mais jovens da população paulistana em busca de empregos que escasseiam na capital.

Nota-se, ainda, que o crescimento domiciliar é bem maior que o demográfico, indicando redução de pessoas por domicílio. O ambiente construído cresce a uma velocidade maior que a da população, numa expansão de área construída que indica também a periferização de moradias, enfatizando a segregação socioespacial segundo a qual pobres vão morar a grandes distâncias do centro metropolitanos, ou vão ocupar favelas onde há espaço ou a verticalização foi possível. Durante a pandemia, a perda de emprego e de renda aumentou o número de pessoas impossibilitadas de pagar aluguel, o que resultou num aumento sem precedentes de sem-teto e de moradores de favelas.

A área ocupada por favelas na metrópole de São Paulo foi estimada em 11,4 mil hectares, tendo aumentado entre os anos 2000 e 2019 a uma taxa anual de 0,59%, enquanto a população residente em favelas, no mesmo período, aumentou a taxa de 3,39% a.a. Isso comprova a densificação crescente nos assentamentos favelados metropolitanos, enfatizando a segregação socioespacial, a crescente verticalização e o adensamento da pobreza. Além disso, percebe-se uma dupla segregação: nas favelas e na periferia, dado que a proporção de domicílios em favelas nos municípios periféricos vem aumentando: se, em 1991, era de 5,95%, em 2019, chega a 11,35%. Entre os 39 municípios da metrópole, 24 apresentam favelas. Pesquisas atuais mostram a situação extremamente precária das favelas mais recentes, sobretudo as formadas durante a pandemia.

Na capital, o adensamento demográfico no interior do tecido favelado é enorme, com quase 330 habitantes por hectare, indicando a dificuldade de urbanização desses assentamentos. E, também na capital, a maior parte das favelas situa-se no anel periférico.

Morar em favela na metrópole paulistana apresenta, assim, o desafio de enfrentar uma dupla segregação: residir em local com precariedade e insegurança e residir em local periférico, sem serviços e com mobilidade cara e restrita.

Referências

  • ANDRADE, L.; MENDONÇA, J. (2022). "A questão da segregação". In: RIBEIRO, L. C. Q. (org.). Reforma urbana e direito à cidade: questões, desafios e caminhos. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles, pp. 129-144.
  • BÓGUS, L.; MAGALHÃES, L. F. (2020). "Desigualdades socioespaciais e pandemia: impactos metropolitanos da COVID-19". In: PASSOS, J. D. (org.). A pandemia do Coronavírus: onde estivemos? Para onde vamos? São Paulo, Paulus, pp. 75-92.
  • CATALÁ, L. S.; CARMO, R. (2021). O conceito de aglomerado subnormal do IBGE e a precariedade dos serviços básicos de infraestrutura urbana. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 38 pp. 1-24.
  • EMPLASA (2019). Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana de São Paulo (PDUI), de 2019. Disponível em: https://multimidia.pdui.sp.gov.br/rmsp/docs_pdui/rmsp_docs_pdui_0018_diagnostico_final.pdf Acesso em: mar 2019
    » https://multimidia.pdui.sp.gov.br/rmsp/docs_pdui/rmsp_docs_pdui_0018_diagnostico_final.pdf
  • FUNDAÇÃO SEADE (2019). Mapa da Indústria Paulista 2003-2016 São Paulo, Fundação Seade 40 anos.
  • GRANDE São Paulo tem 132 mil imóveis em áreas de risco alto e muito alto (2022). O Estado de S.Paulo, 11 fevereiro, p. A18.
  • HIPERVERTICALIZAÇÃO chega às favelas de São Paulo, onde lajes se sobrepõem (2022). Folha de S.Paulo, Caderno Cotidiano, 24 janeiro, p. B1.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos de 1950, 1960, 1970, 1980, 1991,2000, 2010 e 2022.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019). Pesquisa preliminar de 2019.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010). Leitura territorial.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2020). Aglomerados subnormais 2019. Classificação preliminar e informação de saúde para o enfrentamento à covid-19. Rio de Janeiro.
  • LENCIONE, S. (2020). "Concepções da metamorfose metropolitana". In: BÓGUS, L., PASTERNAK, S. e MAGALHÃES, L. F. A. (orgs.). Metropolização, governança e direito à cidade: dinâmicas, escalas e estratégias São Paulo, Educ.
  • MACHADO, L. (2022). Fome e crise estão abrindo "hiperperiferias" em São Paulo. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62920776 Acesso em: 29 set 2020.
    » https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62920776
  • MAPBIOMAS (2021). Área urbanizada nos últimos 36 anos. Disponível em: < https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/ Acesso em: 10 nov 2021.
    » https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/
  • O ESTADO DE S.PAULO, 1º fevereiro de 2020, p. A19.
  • PASTERNAK, S. et al. (2023). "Dinâmica demográfica, desigualdades socioespaciais e precariedade habitacional". In: BÓGUS, L. et al. Reforma urbana e direito à cidade: São Paulo. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles, pp. 45-62.
  • PASTERNAK, S.; BÓGUS, L. (2022). "Favelas em números". In: ALVIM, A. T. B.; RUBIO, V. M. (orgs.). Sustentabilidade em projetos para urbanização de assentamentos precários no Brasil: contexto, dimensões e perspectivas. São Paulo, Manole, pp. 70-98.
  • PASTERNAK-TASCHNER, S.; BÓGUS, L. (2000). "A cidade dos anéis: São Paulo". In: QUEIROZ RIBEIRO, L. C. (org.). O futuro das metrópoles: Desigualdade e governabilidade Rio de Janeiro, Revan, pp. 247-284.
  • SENGER, S. (2019). Favelas recentes na metrópole de São Paulo. Um olhar sobre o surgimento e a territorialidade. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
  • VALOR ECÔNOMICO (2023). Página A4, 22 a 24 de julho.
  • VILA Olímpia e Berrini vivem esvaziamento pós-pandemia (2022). Folha de S.Paulo. Caderno Cotidiano, 7 de março, p. B3.

Notas

  • 1
    Dados demográficos aqui citados foram divulgados, inicialmente, no Boletim Semanal do Observatório das Metrópoles n. 794, de 27/7/2023.
  • 2
    Divisão conforme mapa político da região metropolitana e suas sub-regiões (lei complementar estadual n. 1.139, de 16 de junho de 2011): Polo: São Paulo; Sub-região Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha e Mairiporã; Sub-região Leste: Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano; Sub-região Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul; Sub-região Sudoeste: Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista; Sub-região Oeste: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus e Santana do Parnaíba.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2023
  • Aceito
    5 Out 2023
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Ministro de Godói, 969 - 4° andar - sala 4E20 - Perdizes, 05015-001 - São Paulo - SP - Brasil , Telefone: (55-11) 94148.9100 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosmetropole@outlook.com