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Comercialização nas feiras da agricultura familiar: um estudo de caso sobre a estrutura desses canais

Resumos

Resumo

As feiras da agricultura familiar em bases agroecológicas são canais de venda direta de grande importância para o abastecimento local. Desse modo, é imprescindível tecer formas de avaliar e acompanhar a sua evolução. No presente estudo de caso, aplicou-se uma metodologia para a análise da comercialização na Feira da Agricultura Familiar (FAF), realizada no Campus Seropédica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Objetivou-se analisar o faturamento bruto e a sazonalidade da oferta e da demanda dos produtos na FAF e relacionar esses fatores com a produção agroecológica na baixada fluminense; e demonstrar e compreender as relações entre oferta, preços e vendas dos produtos. Para isso, realizou-se uma revisão de literatura sobre circuitos curtos e formas de comercialização da agricultura familiar e analisaram-se dados de 1.664 relatórios de comercialização, autopreenchidos pelos feirantes no período de 2017 a 2019. Os resultados permitem concluir que (i) os agricultores inseridos nas FAF não são meros tomadores de preços; (ii) o faturamento bruto é influenciado pela sazonalidade da demanda e da oferta; (iii) os efeitos da sazonalidade são impactantes sobre a oferta e as vendas, mas reduzidos com baixa volatilidade de preços; (iv) a oferta é diversificada e os itens apresentam substitutos próximos dentro de uma mesma categoria de produtos.

Palavras-chave:
agroecologia; circuitos curtos de comercialização; sistemas agroalimentares localizados; produto orgânico


Abstract

Fairs of family farming on agroecological bases are direct sales channels of great importance for local supply. Thus, it is essential to devise ways to evaluate and monitor their evolution. In the present case study, a methodology was applied to analyze commercialization at the Family Agriculture Fair (FAF) held at the Seropédica Campus of the Federal Rural University of Rio de Janeiro (UFRRJ). The objective of this study was to analyze gross sales and the seasonality of the supply and demand of products in the FAF, relate these factors to agroecological production in the Baixada Fluminense, and both demonstrate and understand the relationships among the supply, prices and sales of products. A literature review was conducted on the short circuit and commercialization forms of family farming, and data from 1,664 marketing reports, self-completed by market traders from 2017 to 2019, were analyzed. The results allow us to conclude that (i) the stallholders farmers at FAF are not mere price takers; (ii) gross sales are influenced by the seasonality of demand and supply; (iii) the effects of seasonality have an impact on supply and sales but are reduced with low price volatility; and (iv) the offers are diversified, and the items have close substitutes within the same product category.

Keywords:
agroecology; short marketing circuits; localized agri-food systems; organic products


Introdução

A agroecologia é um paradigma que incorpora princípios para a construção de agroecossistemas baseados em processos e interações socioecológicas (Gliessman, 2001Gliessman, S. R. (2001). Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Editora da UFRGS. ; Anderson et al., 2019Anderson, C. R., Bruil, J., Chappell, M. J., Kiss, C., & Pimbert, M. P. (2019). From transition to domains of transformation: getting to sustainable and just food systems through agroecology. Sustainability, 11(19), 5272. http://dx.doi.org/10.3390/su11195272
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). No que tange aos mercados, as estratégias são pensadas para articular a produção agroecológica e a comercialização a partir de relações mais justas e equitativas. E para esse objetivo, os circuitos curtos de comercialização (CCC) representam oportunidades para agricultores e consumidores, contribuindo para a valorização dos produtos da agricultura familiar (Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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).

No conjunto de canais em CCC, as feiras da agricultura familiar em bases agroecológicas (FAAs) retratam a oferta de alimentos locais, orgânicos e da transição agroecológica, considerando a amplitude de climas e de solos brasileiros e a coevolução da agrobiodiversidade manejada pelos agricultores. Vale destacar a riqueza de alimentos ofertados nas FAAs, localmente produzidos, confluindo saberes e práticas na construção da cultura, da segurança e da soberania alimentar (Pereira et al., 2017Pereira, L. S., Soldati, G. T., Duque-Brasil, R., Coelho, F. M. G., & Schaefer, C. E. G. (2017). Agrobiodiversidade em quintais como estratégia para soberania alimentar no semiárido norte mineiro. Ethnoscientia-Brazilian Journal of Ethnobiology and Ethnoecology, 2(1), 1-25. http://dx.doi.org/10.22276/ethnoscientia.v2i1.40
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).

As FAAs fazem parte de sistemas territoriais de abastecimento que são canais de mais fácil coordenação e gestão pelos próprios agricultores-feirantes, além de fomentar o escoamento mais direto do campo para os mercados. Dada a sua importância, é imprescindível tecer formas de avaliar e acompanhar sua evolução de modo a caracterizar e compreender melhor a comercialização nesses canais visando apoiar políticas públicas, como também decisões dos próprios agricultores em como participar desses meios. Não obstante, a produção que é comercializada nas feiras frequentemente não é registrada e os dados não são analisados. Esses estudos envolvem tempo de coleta, persistência e dedicação e, dentre as limitações para sua realização, destacam-se a dificuldade de levantamento de dados pela falta de registros de comercialização pelos agricultores, pouca informatização, expressiva diversidade e formas de apresentação dos produtos (Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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; Verano et al., 2021Verano, T. C., Figueiredo, R. S., & Medina, G. S. (2021). Agricultores familiares em canais curtos de comercialização: uma análise quantitativa das feiras municipais. Revista de Economia e Sociologia Rural, 59(3), e228830. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.228830
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).

Outrossim, as FAAs são organizadas a partir de instituições específicas que se diferenciam das feiras livres tradicionais (FLTs), a começar pela origem da produção e a dinâmica da oferta e demanda ao longo do ano (Cruz & Schneider, 2022Cruz, M. S., & Schneider, S. (2022). Feiras alimentares e mercados territoriais: a estrutura e o funcionamento das instituições de ordenamento das trocas locais. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 42(1), 93-113.; Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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). Nesse sentido, a questão central que norteou o presente estudo foi: como se estruturam os elementos econômicos das feiras da agricultura familiar enquanto canais de venda direta, mediadas por formas de organização e dinâmica da oferta baseadas na abordagem da agroecologia?

Nas universidades públicas, apoiadas por ações articuladas de ensino, pesquisa e extensão, as FAAs institucionais vêm sendo estratégicas para promover a integração da comunidade acadêmica com agricultores locais. Esses canais proporcionam a criação de laços em um ambiente propício ao intercâmbio de saberes e, neste sentido, oportunizam o desenvolvimento de projetos que abarcam instrumentos para registro e acompanhamento da comercialização de forma sistemática, contínua e articulada à pesquisa. Dessa forma, surge a ideia de desenvolver e aplicar uma metodologia para a análise da comercialização direcionada e desenvolvida com agricultores-feirantes no dia a dia de uma FAA, representada pelo caso da Feira da Agricultura Familiar (FAF), realizada no Campus Seropédica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) desde 2016.

O objetivo geral deste artigo foi identificar, compreender e analisar elementos econômicos que se constituem como expressão FAF nos primeiros três anos de funcionamento. Os objetivos específicos foram analisar as relações entre faturamento bruto e sazonalidade da oferta e da demanda dos produtos e relacionar esses fatores com condições edafoclimáticas específicas da produção agroecológica na baixada fluminense; demonstrar e compreender as relações entre oferta, preços e vendas dos produtos. Além desta introdução, na segunda seção, produziu-se uma revisão bibliográfica centrada em apresentar e definir os construtos teóricos para análise dos dados, focando sobretudo na de circuitos curtos de comercialização de frutas e hortaliças pela agricultura familiar em bases agroecológicas, bem como nas relações entre oferta, sazonalidade e preços. Na terceira seção, foi apresentada a sistematização de um expressivo esforço para a análise de 1.664 relatórios de comercialização, autopreenchidos pelos agricultores-feirantes da FAF, nos anos de 2017, 2018 e 2019. Na quarta seção, foram apresentados os resultados e na quinta seção, as conclusões e, por fim, as referências bibliográficas. Não foram encontrados outros estudos usando números índices nem as relações apresentadas no presente artigo aplicado às FAAs, o que representa, dessa forma, uma nova abordagem para o estudo das estruturas econômicas desses canais.

Fundamentação Teórica

Mercados, construção social e circuitos curtos de comercialização

A comercialização de produtos agropecuários pode ser compreendida como um conjunto de atividades que estabelece a transferência de bens e serviços distintos e dispersos em termos de locais de produção e pontos de consumo. Os fluxos apresentam direcionamentos do tipo o que, quanto, quando, como, onde e de que forma distribuir produtos e serviços. Essas perguntas também geram implicações na escolha ou nas oportunidades ou não de inserção dos agricultores nos distintos mercados (Mendes & Padilha, 2007Mendes, J. T. G., & Padilha, J. B. (2007). Agronegócio uma abordagem econômica. São Paulo: Pearson Education do Brasil.).

Na perspectiva da sociologia econômica, os mercados são construções sociais de natureza contratual entre os seus agentes, moldados pelas instituições existentes para o seu funcionamento incluindo normas, regras e valores culturais que determinam como resultado, os preços praticados, a qualidade dos produtos e as quantidades comercializadas (Cruz & Schneider, 2022Cruz, M. S., & Schneider, S. (2022). Feiras alimentares e mercados territoriais: a estrutura e o funcionamento das instituições de ordenamento das trocas locais. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 42(1), 93-113.; Raud-Mattedi, 2005Raud-Mattedi, C. (2005). A construção social do mercado em Durkheim e Weber: análise do papel das instituições na sociologia econômica clássica. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20(57), 127-142. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092005000100008
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).

O canal de comercialização é o percurso trilhado da produção até o consumo, englobando seus agentes, o qual também pode ser entendido como uma sequência de mercados onde os produtos passam por transformações que incidem sobre atributos de diferenciação e agregação de valor. A complexidade e o comprimento, dados pela presença, número de intermediários e operações envolvidas nos fluxos, definem as tipologias de canais (Mendes & Padilha, 2007Mendes, J. T. G., & Padilha, J. B. (2007). Agronegócio uma abordagem econômica. São Paulo: Pearson Education do Brasil.). Os canais também são sistemas, nos quais ocorrem relações de interdependência entre os seus agentes produzindo resultados específicos. De acordo com o número desses respectivos meios usados pelos agricultores familiares para ofertar seus produtos, os canais de comercialização podem ser classificados em exclusivos (único canal), diversificados (dois ou três canais) ou superdiversificados (mais de quatro canais) (Deggerone & Schneider, 2022Deggerone, Z. A., & Schneider, S. (2022). Os canais de comercialização utilizados pelos agricultores familiares em Aratiba–RS. Organizações Rurais & Agroindustriais, 24, e1892-e1892.).

Uma das abordagens sobre canais que aproximam agricultores e consumidores é a de redes alimentares alternativas - cadeias curtas de abastecimento de alimentos (CCAAs) nas quais, idealmente, não há nenhum intermediário entre agricultores e consumidores nas relações de comercialização, e, quando ocorrem, os intermediários se colocam como parceiros que compartilham informações sobre os alimentos (Renting et al., 2017Renting, H., Marsden, T., & Banks, J. (2017). Compreendendo as redes alimentares alternativas: o papel de cadeias curtas de abastecimento de alimentos no desenvolvimento rural. In S. Schneider & M. Gazolla (Eds.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas–negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 27-52). Porto Alegre: Editora da UFRGS.)

Nesse contexto, há um resgate em ressocializar e reespacializar o alimento nas relações agricultor-consumidor, nas quais consumidores têm acesso a informações de procedência e de atributos de qualidade dos alimentos que remetem aos valores conferidos aos produtos e às técnicas de produção (Marsden & Banks, 2017Marsden, T., & Banks, J. (2017). Uma réplica ao artigo: “Compreendendo as redes alimentares alternativas: o papel de cadeias curtas de abastecimento de alimentos no desenvolvimento rural”. In S. Schneider & M. Gazolla (Eds.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 27-52). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Mundler et al., 2008Mundler, P., Ferrero, J. M., Jan, A., & Thomas, R. (2008). Petites exploitations diversifiées en circuits courts: soutenabilité sociale et économique. Lyon: Isara.). Também são exploradas novas formas de gestão, bem como críticas ao sistema agroalimentar dominante por parte dos consumidores que valorizam formas, valores culturais e o preparo tradicional (Gazolla & Schneider, 2017Gazolla, M., & Schneider, S. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: Negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS. ).

Outra abordagem é a de circuitos curtos de comercialização (CCC), que representam um conjunto de canais de venda direta do agricultor para o consumidor (ou com no máximo um intermediário), sob a lógica de proximidade geográfica e relacional e que está associada à trajetória e ao itinerário de produtos, o qual é cíclico e circula no sistema, pressupondo trocas e interações (Cassol & Schneider, 2015Cassol, A., & Schneider, S. (2015). Produção e consumo de alimentos: novas redes e atores. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 95, 143-180.; Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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). Aspectos vinculados ao funcionamento dos CCC podem ser destacados: identificação da origem do produto (proximidade, local), papel ou atitude do agricultor na comercialização, uso de matérias-primas locais, disponibilidade e fluxo contínuo de informações entre consumidores e agricultores (Darolt, 2013Darolt, M. R. (2013). Circuitos curtos de comercialização de alimentos ecológicos: reconectando produtores e consumidores. In P. A. Niederle, L. Almeida & F. M. Vezzani (Eds.), Agroecologia: práticas, mercados e políticas para uma nova agricultura (pp. 139-170). Curitiba: Kairós.). Nesse sentido, os CCC se aproximam das CCAAs, entretanto a abordagem da agroecologia e as inovações sociais na produção e no abastecimento alimentar auxiliam a conceituar os CCC.

A agroecologia é um enfoque sistêmico capaz de integrar agricultura, alimentação, saúde, meio ambiente e educação, incluindo aspectos da produção até o consumo; consolida-se por meio da produção orgânica e de mercados que emergem e são constantemente reincorporados em relações sociais de proximidade entre seus agentes. Quando inseridos nos territórios, os mercados permitem autodeterminação local e atendem às necessidades materiais das famílias agricultoras, valorizando suas funções e resultados ecológicos, sociais, econômicos e políticos (Anderson et al., 2019Anderson, C. R., Bruil, J., Chappell, M. J., Kiss, C., & Pimbert, M. P. (2019). From transition to domains of transformation: getting to sustainable and just food systems through agroecology. Sustainability, 11(19), 5272. http://dx.doi.org/10.3390/su11195272
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).

As inovações sociais que promovem a agroecologia envolvem novas redes de comercialização de produtos com qualidade específica - como orgânicos - e da transição agroecológica, compreendendo relações de reciprocidades com resgate da valorização da imagem dos agricultores e do meio rural, com solidariedade e transparência. As inovações também se dão a partir de novas formas de organização da produção e da comercialização que buscam superar obstáculos, tais como a regularidade na oferta de produtos, logística, demanda insuficiente local e a extensão espacial das vendas em circuitos curtos (Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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).

Práticas e abordagens de inovação também se relacionam com propriedades emergentes de sistemas agroecológicos, que se caracterizam pela otimização da diversidade em várias dimensões. A diversidade aumenta a resiliência do ponto de vista ecológico e socioeconômico, desempenha serviços ecossistêmicos e eleva a produtividade e a eficiência de uso dos recursos (Gliessman, 2001Gliessman, S. R. (2001). Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Editora da UFRGS. ).

Pode-se ainda avaliar que a interação entre agricultores e consumidores permite aumentar a confiança na qualidade dos produtos ofertados e no preço cobrado, consistindo em si um ativo (Gazolla & Schneider, 2017Gazolla, M., & Schneider, S. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: Negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS. ). No conjunto de canais de venda direta nos CCC, as FAAs se destacam ao reduzir a dependência dos agricultores em relação a distribuidores e varejistas em termos de negociação de preços e definição de estratégias de comercialização que se consolidam em inovações sociais. As FAAs são canais que se diferenciam quanto aos preços praticados, oferta e demanda dos produtos e, nesse sentido, a próxima seção deste estudo faz um apanhado teórico dessas categorias.

Sazonalidade e preços nas feiras da agricultura familiar em bases agroecológicas

As feiras da agricultura familiar em bases agroecológicas têm suas raízes nas feiras livres brasileiras que, como mercados, apresentam uma grande diversidade, pois nelas se manifestam as especificidades regionais que influem nas relações socioeconômicas. Desse modo, podem ser vistas como mercados territoriais enraizados em instituições informais a partir das quais definem-se regras e normas de funcionamento (Cruz & Schneider, 2022Cruz, M. S., & Schneider, S. (2022). Feiras alimentares e mercados territoriais: a estrutura e o funcionamento das instituições de ordenamento das trocas locais. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 42(1), 93-113.; Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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).

Embora as feiras não constituam um sistema socioeconômico homogêneo, podem-se buscar algumas tipologias para melhor compreender os determinantes desses mercados. Com relação à comercialização de produtos tradicionais, os agentes envolvidos podem ser divididos em feirantes “produtores” que produzem a mercadoria que vendem, ou a maior parte dela, e feirantes “comerciantes” quando compram e revendem os produtos. Nas feiras livres tradicionais (FLTs), coexistem esses dois tipos de feirantes (Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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).

As FAAs se diferenciam das FLTs por comercializar alimentos produzidos pelos próprios feirantes com técnicas específicas, e ainda por contar com princípios do associativismo para a sua organização (Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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). As feiras orgânicas incluem também processos para garantir a qualidade e a rastreabilidade dos produtos orgânicos. Essas instituições implicam profundas diferenças nas estruturas desses canais no que tange a preços, produtos, vendedores e compradores (Cruz e Schneider, 2022Cruz, M. S., & Schneider, S. (2022). Feiras alimentares e mercados territoriais: a estrutura e o funcionamento das instituições de ordenamento das trocas locais. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 42(1), 93-113.).

Em uma economia de mercado, os preços são formados a partir da interação dinâmica entre oferta e demanda. A curva de oferta mostra que à medida que o preço sobe, aumenta o interesse dos agricultores em produzir e vender determinados produtos; e à medida que o preço cai, aumenta o interesse dos consumidores em adquirir maiores quantidades dos produtos (efeito de substituição) (Mendes & Padilha, 2007Mendes, J. T. G., & Padilha, J. B. (2007). Agronegócio uma abordagem econômica. São Paulo: Pearson Education do Brasil.).

Com relação à estrutura de mercados agrícolas perfeitamente competitivos, produtos supostamente são homogêneos e os agricultores competem entre si. Além disso, há muitos compradores e vendedores. Esses mercados atomizam os agricultores familiares, com ênfase para aqueles que produzem para a subsistência e comercializam o excedente, situando-os como tomadores de preço dos agentes intermediários da comercialização, vinculados aos mercados atacadistas e varejistas (Angulo, 2003Angulo, J. L. G. (2003). Mercado local, produção familiar e desenvolvimento: estudo de caso da feira de Turmalina, Vale do Jequitinhonha, MG. Organizações Rurais & Agroindustriais, 5(2), 96-109.). Os agricultores não são capazes de influenciar o preço, que é considerado o principal fator de competição, já que os itens são considerados substitutos entre si. A venda é feita à vista com o preço fixado na concorrência - “o preço que corre” (Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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; Angulo, 2003Angulo, J. L. G. (2003). Mercado local, produção familiar e desenvolvimento: estudo de caso da feira de Turmalina, Vale do Jequitinhonha, MG. Organizações Rurais & Agroindustriais, 5(2), 96-109.). Sendo assim, essas estruturas econômicas são mais próximas das FLTs.

Não obstante, agricultores podem concorrer não necessariamente pelo preço, mas por suas inovações, diferenciando seus produtos no que tange a uma nova qualidade, métodos de produção e novos mercados. Isso ocorre com produtos da agricultura familiar, orgânicos e da transição agroecológica (Waquil et al., 2010Waquil, P. D., Miele, M., & Schultz, G. (2010). Mercados e comercialização de produtos agrícolas. Porto Alegre: UFRGS Editora.). Os agricultores familiares são numerosos, mas dispersos geograficamente, o que facilita o encontro com consumidores. Além disso, a produção é diversificada e em pequena escala, sendo um valor a utilização sustentável dos recursos naturais.

Nesse sentido, as FAAs são espaços para otimizar as relações com consumidores e estabelecer novas estruturas de canais de comercialização. Para a agricultura familiar, inclui-se utilizar as produções de pequena e média escala e dirigir a comercialização aos CCC (Gazolla, 2012Gazolla, M. (2012). Conhecimentos, produção de novidades e ações institucionais: cadeias curtas das agroindústrias familiares (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. ). Desse modo, os produtos não são homogêneos, diferenciam-se da produção agroindustrial e entre os próprios agricultores. Com relação à entrada de novos agentes nas FAAs, esta é restringida pelos requisitos técnicos e de organização social.

Há uma convergência entre as FAAs e as FLTs no que tange às trocas: cálculos das receitas; gastos e lucros com a feira; a determinação de preços para não ter prejuízos; as formas de medições dos produtos e as promoções e ajustes de quantidades, meios e estratégias pessoais de medições e barganhas, que são expressões de uma etnomatemática desenvolvida no cotidiano (Nascimento & Bispo, 2020Nascimento, F. G., & Bispo, J. D. S. G. (2020). Etnomatemática: explorando a linguagem matemática na comercialização dos produtos agrícolas na feira livre de Ouriçangas-BA. Revista Fatec de Tecnologia e Ciências, 5(1), 1-25.). No fim da feira, a “xepa”, decorrente da redução de preços dos produtos, tem o objetivo de minimizar as perdas da comercialização, especialmente dos itens altamente perecíveis (Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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).

Frutas e hortaliças (FLVs) são os principais produtos comercializados nas FAAs, sendo essa comercialização in natura, com baixo grau de transformação, com baixa escala de produção, proximidade geográfica e alta perecibilidade, exigindo um canal mais eficiente e ágil, com acessibilidade, confiança e menor incerteza através da garantia de venda (Brandão et al., 2020Brandão, J. B., Schneider, S., Zen, H. D., & Silva, G. P. (2020). Os mercados de hortifrúti em Santa Maria (RS)-um estudo sobre os tipos de produtores e os canais de comercialização. Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, 25(2), 433-460. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v25i2.14323
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).

Em decorrência de sua natureza biológica, FLVs concentram a produção em algumas épocas do ano em função da sazonalidade que compreende a sucessão entre a safra e entressafra agrícola (Carvalho et al., 2019Carvalho, H., Guamieri, P., Del Grossi, M., & Pedroso, M. T. M. (2019). Variação estacional e margem de comercialização dos preços do tomate de mesa pagos aos produtores e comercializados aos consumidores no Brasil, no período de 2013 a 2017. Brasília, DF: Embrapa Hortaliças. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1109630
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; Faulin & Azevedo, 2003Faulin, E. J., & Azevedo, P. D. (2003). Distribuição de hortaliças na agricultura familiar: uma análise das transações. Informações Econômicas, 33(11), 24-37.). Os preços sofrem variações expressivas ao longo do ano e entre os anos, determinados por fatores como oferta, sazonalidade, intermediários, comércio urbano e qualidade, sob as influências de mercados varejistas, na presença de intermediários, atacadistas e comerciantes.

Pino (2014)Pino, F. A. (2014). Sazonalidade na agricultura. Revista de Economia Agrícola, 61(1), 63-93. destaca as vantagens para o agricultor em conhecer a sazonalidade dos preços de seus produtos para tentar produzi-los de tal modo a comercializá-los nas épocas de maior preço, de forma que a produção fora da época possa conduzir ao alcance de melhores margens de comercialização e aliviar a pressão dos preços e da concorrência sobre os agricultores. Para o consumidor, o interesse na sazonalidade tem razão oposta, pois visa consumir na época de safra para pagar o menor preço possível.

Para além de buscar preços mais baixos, a abordagem de cadeias curtas resulta em visão de preço justo por alimentos orgânicos, da transição agroecológica, sem agrotóxicos e de outros aspectos como ambientais, justiça, ética e fidelidade. O valor atribuído pelos consumidores está de acordo com a satisfação de busca de saúde e bem-estar, as relações de confiança, a qualidade e a diversidade (Cruz & Schneider, 2022Cruz, M. S., & Schneider, S. (2022). Feiras alimentares e mercados territoriais: a estrutura e o funcionamento das instituições de ordenamento das trocas locais. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 42(1), 93-113.). Os produtos nas FAAs podem ser enquadrados como bens que contêm esses atributos especiais que são valorizados pelos consumidores dispostos a pagar preço prêmio e recompensar o agricultor pelo seu papel na oferta de alimentos saudáveis (Renting et al., 2017Renting, H., Marsden, T., & Banks, J. (2017). Compreendendo as redes alimentares alternativas: o papel de cadeias curtas de abastecimento de alimentos no desenvolvimento rural. In S. Schneider & M. Gazolla (Eds.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas–negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 27-52). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Souza, 2000Souza, M. C. M. D. (2000). Produtos orgânicos. In D. Zylbersztajn & M. F. Neves (Eds.), Economia e gestão dos negócios agrolimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição (pp. 385-400). São Paulo: Pioneira.). Nessa relação direta, busca-se transmitir, por meio do contato olho no olho ou face a face, o valor do alimento que inclui o nome e a credibilidade do agricultor que também se apropria da maior parte do valor do produto (Gazolla & Schneider, 2017Gazolla, M., & Schneider, S. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: Negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS. ).

No que tange à consolidação de inovações agroecológicas, destaca-se a adoção de estratégias de desenho e manejo dos agroecossistemas por agricultores familiares no sentido de diminuir a dependência externa e otimizar fluxos de matéria e energia, o que impacta positivamente no custo de produção e induz a diferentes graus de independência de mercados de insumos. É a observação das práticas dos agricultores familiares e camponeses em todo mundo que tem respondido pela resiliência das unidades de produção e que indicam as práticas para a produção orgânica. Essa dimensão está relacionada à reprodução da agricultura familiar dependente da capacidade de se orientar para a produção e a ampliação do valor agregado, fortalecendo, para tanto, a base de recursos endógena às unidades (Gliessman, 2001Gliessman, S. R. (2001). Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Editora da UFRGS. ; van der Ploeg, 2008van der Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e Impérios Alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalicação. Porto Alegre: UFRGS Editora.).

Sob enfoque agroecológico, a produção das culturas na época recomendada é basilar para as plantas apresentarem uma menor suscetibilidade a pragas e doenças quando associada a estratégias introduzidas nos agroecossistemas, como o controle biológico conservativo e o manejo ecológico da fertilidade do solo. A produção na época recomendada propicia que as plantas expressem o seu máximo potencial produtivo, com redução das perdas e dos riscos de produção (Paschoal, 2019Paschoal, A. D. (2019). Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: problemas e soluções. São Paulo: Expressão Popular.).

Outro ponto a destacar com relação às feiras, é que frequentemente, ocorre uma concentração de consumo que aumenta a procura pelos produtos, por exemplo, datas festivas e feriados, período do mês relacionado a proximidade das datas de pagamento de salários, aumento de renda por conta do 13º salário e, até mesmo, as condições de tempo – dias chuvosos e ensolarados. Isso se traduz na sazonalidade da demanda relacionada então aos consumidores (Pino, 2014Pino, F. A. (2014). Sazonalidade na agricultura. Revista de Economia Agrícola, 61(1), 63-93.).

Metodologia

Este estudo de caso se classifica como descritivo e as técnicas de pesquisa foram de natureza qualitativa e quantitativa. Os procedimentos de coleta de dados foram pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica compreendeu a análise de artigos e livros para a composição do referencial teórico. A análise documental incluiu 1.664 relatórios de comercialização da Feira da Agricultura Familiar (FAF), dos anos de 2017 (fevereiro a dezembro), 2018 (março a dezembro) e 2019 (fevereiro a dezembro). O relatório de comercialização consiste em um formulário, autopreenchido pelos feirantes, contendo os campos: data, item, unidade, preço, quantidade ofertada e quantidade que não foi vendida. Sua adoção foi realizada por todos os feirantes desde a primeira edição da FAF, realizada às quartas-feiras no campus Seropédica da UFRRJ.

Seropédica é um município do extremo oeste da região metropolitana do Rio de Janeiro. Possui 444 estabelecimentos agropecuários, dos quais 61,5% são de agricultores familiares (Vianna, 2020Vianna, M. D. A. (2020). As transformações no espaço rural no município de Seropédica-RJ nas últimas décadas. Espaço e Economia.Revista Brasileira de Geografia Econômica, 9(19), 1-20. http://dx.doi.org/10.4000/espacoeconomia.16651
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). Historicamente, a agricultura nesta região foi uma atividade com grande relevância socioeconômica, não obstante foi negativamente impactada pela industrialização do município do Rio de Janeiro. A urbanização voltou-se a uma dinâmica endógena, com interiorização da economia, enquanto a metropolização aumentou a dependência e a vinculação do município com a capital. A desruralização se deu pelo esvaziamento econômico e político do meio rural, além da valorização urbana das terras concorrendo com o uso agrícola (Alentejano, 2005Alentejano, P. (2005). A evolução do espaço agrário fluminense. GEOgrafia, 13, 49-70. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13501
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). Esse processo continua no município que registrou uma redução de 31,7% da área colhida e de 45% do volume da produção entre os anos de 2009 a 2017 (Monteiro et al., 2019Monteiro, B. L., Tabai, K. C., Portilho, E. S., Bezerra, I. G. C., Pinto, M. A. M., Fernandez, P. S. C., Majerowicz, N., Mello, G. A. B., Bilheiro, L. C. R., & Dias, A. (2019). Reflexões sobre políticas de fortalecimento da agricultura familiar e segurança alimentar e nutricional no município de Seropédica-RJ. In Agroecologia: debates sobre a sustentabilidade (pp. 1-13). Ponta Grossa: Atena Editora. http://dx.doi.org/10.22533/at.ed.9931924071
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).

Seropédica não dispunha de uma feira da agricultura familiar em bases agroecológicas até 2016, quando a Feira da Agricultura Familiar (FAF) foi criada na UFRRJ por meio de um projeto de extensão universitária. Em 2017, o projeto foi transformado no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar na Baixada Fluminense e Centro Sul do Estado do Rio de Janeiro (PFAF), com projetos integrados: Feira da Agricultura Familiar, Programa de Aquisição de Alimentos; Educação para Consumo Alimentar Consciente; Capacitação e Residência Agronômica. O PFAF tem como finalidade fortalecer a produção familiar em bases agroecológicas, a comercialização e o consumo local e consciente no entorno dos três campi da UFRRJ - Seropédica, Nova Iguaçu e Três Rios (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2024aUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar. (2024a). Recuperado em 23 de março de 2024, de https://institucional.ufrrj.br/agroecologia/
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).

A gestão da FAF é participativa e as decisões coletivas são tomadas em assembleias. Os princípios de organização e funcionamento expressos em regimento são os da agroecologia e da economia solidária, sendo estimuladas relações de cooperação, união e cuidado com o meio ambiente e com as pessoas. Como critério para ingresso de agricultores na FAF, incluiu-se produção própria, local, orgânica e da transição agroecológica. Compreende-se a transição agroecológica como um processo de adoção de práticas de base ecológica para o manejo e o desenho das unidades de produção, incluindo a não utilização de agrotóxicos e fertilizantes minerais de síntese e altamente solúveis e a baixa dependência de insumos externos. Esses agricultores não são vinculados a mecanismo de garantia da qualidade orgânica, mas contam com assistência técnica para essa finalidade. Importante ressaltar que essa organização difere fundamentalmente de parte expressiva das feiras livres de Seropédica e do entorno, que incluem majoritariamente, comerciantes que compram produtos nas centrais de abastecimento e fazem a revenda.

Na FAF, os preços são livremente praticados pelos feirantes, bem como as barganhas com os consumidores, mas existe um acordo entre os agricultores de não praticarem preços muito diferentes entre si, nem de baixar demais os preços para estimular a competição desleal. Os agricultores orgânicos diferenciam seus produtos com o uso do selo federal do SisOrg, apresentam o certificado de produtor orgânico nas barracas e, em geral, praticam preços um pouco mais altos.

Vinte e dois feirantes, oriundos dos municípios de Seropédica, Itaguaí, Paracambi, Rio de Janeiro e Engenheiro Paulo de Frontin, participaram da FAF em 2019, sendo a maioria mulheres enquadradas como agricultoras familiares, portadoras da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e membras dos Sistemas Participativos de Garantia vinculados à Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (2024)Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro – ABIO. (2024). Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://abiorj.org
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.

A FAF representa um canal de comercialização em CCC que permite gerar renda para os agricultores-feirantes e um melhor fluxo de informações entre agricultores e compradores, que, nesse caso, são parte da comunidade acadêmica. Busca-se assim, promover os múltiplos ganhos em mão dupla dessa interação, resultando em ações de ensino, pesquisa, extensão, voltadas à agricultura local e, ao mesmo tempo, ressignificando práticas docentes e discentes. Além disso, é um canal de venda que pode ser visto como um espaço informal de educação para o consumo na universidade, oportunizando estimular a produção orgânica e a transição agroecológica.

A partir dos dados dos relatórios de comercialização, foram estimados os faturamentos brutos (R$) por feirante e o total mensal e anual da FAF no período de 2017 a 2019. Na segunda etapa, estimou-se o faturamento por grupo e subgrupo de produtos; e as quantidades de alimentos ofertados e comercializados nos três anos analisados. No período deste estudo, foram registrados mais de 300 itens diferentes nos relatórios de comercialização da FAF. Os itens foram agrupados em hortaliças, frutas e produtos de origem animal. Para compor a cesta de produtos da FAF, selecionaram-se os 26 itens mais relevantes em termos de participação (%) no faturamento bruto, na quantidade ofertada, na regularidade de oferta nos três anos analisados e a relevância socioeconômica para a agricultura familiar no município de Seropédica.

As hortaliças foram agrupadas de acordo com a parte consumida em i. Folhosas: alface, bertalha, couve, mostarda, rúcula e taioba; ii. Aromáticas, condimentares e medicinais: cebolinha, cheiro verde, coentro e manjericão; iii. Tuberosas: aipim, batata doce, beterraba e cenoura; iv. Fruto: abóbora, jiló, milho verde e quiabo. No grupo frutas, selecionaram-se os itens: abacate, banana d´água (subgrupo Cavendish), banana prata ‘Rio’, banana ‘Prata Mel’ (ambas do subgrupo Prata), coco verde, limão galego e limão tahiti; e no grupo de produtos de origem animal: ovos. A cesta de produtos da FAF foi usada para compor o calendário de comercialização e estimar os números índices.

Calendários de comercialização são recursos usados para orientar a precificação de produtos agrícolas – especialmente de hortigranjeiros, a partir de sua oferta em mercados instáveis, marcados pela variação estacional de preços com flutuações decorrentes de períodos de safra, entressafra e movimentos aleatórios (Carvalho et al., 2019Carvalho, H., Guamieri, P., Del Grossi, M., & Pedroso, M. T. M. (2019). Variação estacional e margem de comercialização dos preços do tomate de mesa pagos aos produtores e comercializados aos consumidores no Brasil, no período de 2013 a 2017. Brasília, DF: Embrapa Hortaliças. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1109630
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). Assim, compreendem uma forma de orientar a oferta e a demanda e são mais frequentes em equipamentos como centrais de abastecimento. No presente estudo, o calendário de comercialização foi desenvolvido para os itens da cesta de produtos da FAF com o somatório das quantidades ofertadas (kg) em cada mês nos anos 2017, 2018 e 2019. A oferta de cada item foi agrupada em três classes (baixa, média e alta). Para definir as classes, consideraram-se IC= A/ NC, sendo IC: Intervalo de classe; A: amplitude dada pela diferença entre a maior e a menor quantidade ofertada do item da cesta durante 11 meses; NC = Número de classes = 3 (baixa; média e alta). O calendário de comercialização foi usado para demonstrar a sazonalidade da oferta dos principais itens na FAF e relacionar com números índices de preços e quantidades ofertadas e comercializadas.

Números índices são medidas estatísticas para comparar grupos de variáveis relacionadas entre si, bem como para sistematizar um resumo das condições econômicas ocorridas em um espaço de tempo (Fonseca et al., 2000Fonseca, J. S., Martins, G., & Toledo, G. L. (2000). Estatística aplicada. São Paulo: Atlas SA.). São usados para estimar quantidades, preços ou valores de uma ou mais séries de dados ao longo do tempo e permitem a identificação do comportamento dessas variáveis no período analisado. O índice simples foi utilizado para medir a evolução do preço (Equação 1), da quantidade ofertada e comercializada (Equação 2) de cada item da cesta de produtos da FAF ao longo do ano, tomando por base o mês anterior. O Número índice simples de preço foi calculado pela fórmula

p 0,1 = p t p 0 * 100 (1)

e de quantidade

q 0,1 = q t q 0 * 100 (2)

sendo: 𝑝0,1 = índice simples de preço; 𝑝0= média de preços no período de referência; 𝑝𝑡 = média de preços no período analisado; 𝑞0,1 = índice simples de quantidade; 𝑞0= média da quantidade (kg) no período de referência; 𝑞𝑡 = média da quantidade (kg) no período analisado (Modificado de Fonseca et al., 2000Fonseca, J. S., Martins, G., & Toledo, G. L. (2000). Estatística aplicada. São Paulo: Atlas SA.).

Foram realizadas análises de correlação entre índices de preços e de quantidades ofertadas e comercializadas. As correlações foram classificadas conforme o coeficiente de correlação de Pearson (r) em desprezível (±0 a 0,30); fraca (±0,31 a 0,50); moderada (±0,51 a 0,70); forte (±0,71 a 0,90) ou muito forte (±0,91).

Resultados e Discussão

Relações entre faturamento bruto e sazonalidade da demanda na FAF

Nos anos de 2017, 2018 e 2019, a Feira da Agricultura Familiar no Campus Seropédica (FAF) movimentou o equivalente a R$ 518.331,22 e, nesse contexto, cabem algumas observações. O calendário acadêmico foi alterado em função de uma paralisação que levou a interrupção das aulas nos meses de dezembro de 2016 e março de 2017 (Figura 1). Assim, registrou-se faturamento no mês de fevereiro, mas não em março de 2017. O faturamento bruto total decresceu nos meses de julho e em dezembro, em função do término do período letivo e início do recesso acadêmico - fator comum aos três anos analisados. A FAF funcionou plenamente durante oito meses, excluindo-se os meses de janeiro, fevereiro julho e dezembro. As interrupções representaram menor número de edições e redução do faturamento bruto. Essa condição influencia a geração de renda dos agricultores que comercializam nas feiras que ocorrem em espaços universitários, que também estão sujeitas a interrupções não programadas, como as greves e paralisações. Essa dinâmica de funcionamento também limita o acesso aos alimentos localmente produzidos pelos consumidores.

Figura 1
- Faturamento bruto mensal dos anos de 2017, 2018 e 2019 da Feira da Agricultura Familiar na UFRRJ, campus Seropédica. Fonte: As autoras (2022)

Articulada ao faturamento bruto total, a média de faturamento por feirante oscilou entre os meses de cada ano (Figura 2). Em 2017, a média de faturamento variou entre R$ 709,10 e R$ 1.227,69; em 2018, a média variou entre R$ 472,85 a R$ 1.191,75; e em 2019, de R$ 512,84 a R$ 1.463,60. A maior média de faturamento por agricultor entre os anos analisados foi registrada no segundo semestre de 2019, contribuindo para aumento da média geral, compensando a média fraca de faturamento no primeiro semestre desse ano. A média de faturamento anual por agricultor apresentou valores próximos: R$ 866,49 em 2017, R$ 767,54 em 2018 e R$ 800,31 em 2019. Esses resultados são relevantes, pois o faturamento bruto médio mensal de cerca de 800 reais nos três anos analisados foi superior em 55% e 13% ao rendimento nominal médio mensal per capita da população rural (R$ 514,76) e urbana (R$ 704,90) do município de Seropédica (Vianna, 2020Vianna, M. D. A. (2020). As transformações no espaço rural no município de Seropédica-RJ nas últimas décadas. Espaço e Economia.Revista Brasileira de Geografia Econômica, 9(19), 1-20. http://dx.doi.org/10.4000/espacoeconomia.16651
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). A análise do faturamento bruto ao longo dos três anos permitiu demonstrar que a FAF gerou renda para agricultores agroecológicos de seis municípios da região, com a elevação do faturamento bruto. Destarte, mais de 50% do faturamento bruto total da FAF (cerca de 240 mil reais) foi de agricultores agroecológicos do município de Seropédica.

Figura 2
Faturamento bruto médio por feirante, em R$, no período de 2017-2019. As barras indicam o erro padrão da média de faturamento mensal. Fonte: As autoras (2022).

Chiffoleau & Dourian (2020)Chiffoleau, Y., & Dourian, T. (2020). Sustainable food supply chains: is shortening the answer? A literature review for a research and innovation agenda. Sustainability, 12(23), 9831. http://dx.doi.org/10.3390/su12239831
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corroboram que unidades de produção operando em circuitos curtos, têm uma renda maior por ativo e por hora, embora os resultados sejam muito heterogêneos. De modo geral, os preços são mais adequados e há maior valor agregado aos produtos. Iniciativas coletivas para produzir, comercializar e transportar; a combinação de cadeias curtas e valorização do produto orgânico e da transição agroecológica têm efeitos positivos na renda. Além da receita, reduzem-se as incertezas econômicas em contraste com a volatilidade dos canais típicos de cadeias longas e garante-se um fluxo de caixa regular que favorece as práticas agroecológicas, motivadas por um aumento da renda dos agricultores. O desempenho econômico depende de habilidades e organização do trabalho, mas também dos níveis da cadeia e territorial, de modo que o valor agregado também requer equipamentos e instalações de processamento adaptadas para lidar com a oferta em pequenas quantidades, que também pode ser sazonal (Chiffoleau & Dourian, 2020Chiffoleau, Y., & Dourian, T. (2020). Sustainable food supply chains: is shortening the answer? A literature review for a research and innovation agenda. Sustainability, 12(23), 9831. http://dx.doi.org/10.3390/su12239831
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).

Influência de condições específicas sobre a oferta de produtos e o faturamento na FAF

Nos meses de maio e junho ocorreu a maior concentração da oferta de hortaliças folhosas e frutas e nos meses de setembro e outubro, das hortaliças aromáticas, fruto e ovos, conforme o calendário de comercialização (Tabela 1). Além disso, nesses períodos, a FAF funcionou plenamente, animada pelo fluxo de alunos, professores e técnicos para as atividades acadêmicas em andamento, enquanto nos meses de janeiro e fevereiro, julho e dezembro, ocorreu a redução da demanda devido à diminuição do público no período de recesso acadêmico.

Tabela 1
Calendário de comercialização de hortifrutigranjeiros da Feira da Agricultura Familiar na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Seropédica-RJ.

Com relação à sazonalidade da oferta, esta é marcada por mudanças estacionais típicas do clima da baixada fluminense que se caracteriza pelos invernos amenos e secos e verões quentes e chuvosos. Assim, em cada ano, elevadas temperaturas e maior concentração de chuvas são registradas de outubro até março, o que acarreta limitações para a produção da maior parte das hortaliças originárias de clima temperado. Nos meses mais quentes, há maior demanda por parte dos consumidores de hortaliças folhosas (alface e rúcula) e como alternativa, nesses períodos, agricultores locais adotam o uso de telas sombreadoras e aumentam o plantio de variedades tolerantes ao florescimento e de plantas alimentícias não convencionais (PANCs) que se prestam à substituição desses itens, tais como (Basella alba L.), taioba (Xanthosoma sagittifolium (L.) Schott), mostarda, beldroega, almeirão roxo (Lactuca canadensis L.), hibisco (vinagreira), serralha e ora-pro-nóbis. Os três primeiros itens estão entre as hortaliças folhosas mais comercializadas na FAF e com a maior regularidade de oferta nos três anos analisados.

Ainda de acordo com a Tabela 1, no subgrupo das tuberosas, a oferta de aipim de mesa e de batata doce ocorre durante todo o ano. Para essas culturas, agricultores locais dependem das chuvas no plantio para garantir a adequada brotação dos elementos de propagação vegetativa – ramas e manivas, respectivamente. Essas são culturas rústicas e que se associam com micorrizas no solo. Temperaturas mais baixas são mais propícias à tuberização em batata doce, porém é no inverno, período mais seco do ano que ocorrem as maiores perdas de raízes com o ataque de brocas. Como estratégia para diminuir as perdas, agricultores realizam a colheita antecipada, o que implica em redução do comprimento e do diâmetro das raízes comercializadas na FAF nesse período. Porém o calendário mostra que mesmo com essa redução, a oferta de batata doce é alta nesse período. Além disso, a variedade de batata doce mais consumida na FAF é um produto diferenciado, tem a polpa alaranjada, rica em betacaroteno, chamada pelos consumidores e agricultores de “batata cenoura”. A batata doce ‘IAPAR 69’ foi socializada aos agricultores da FAF por meio de ações de extensão desenvolvidas na Fazendinha Agroecológica Km 47, parceria: CTUR, Embrapa Agrobiologia, Pesagro Rio e UFRRJ) (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2024bUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. (2024b). Fazendinha Agroecológica Km 47: Parceria Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Embrapa Agrobiologia, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Recuperado em 23 de março de 2024, de https://institucional.ufrrj.br/fazendinha/
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). Quando comparadas ao aipim e à batata doce, a beterraba e a cenoura são tuberosas mais exigentes com relação ao preparo do solo, clima e tratos culturais. As temperaturas elevadas afetam negativamente a germinação das sementes e a qualidade das raízes (Filgueira, 2012Filgueira, F. A. R. (2012). Novo manual de olericultura: agrotecnologia moderna na produção e comercialização de hortaliças (3. ed., 418 p.). Viçosa: UFV. ) e, por isso, a oferta é mais limitada.

Com relação à sazonalidade de frutas, um destaque é a banana que é ofertada durante todo o ano, especialmente a variedade Prata Mel, historicamente cultivada na região. Graças ao alto teor de sólidos solúveis, seu sabor é muito apreciado pelos consumidores e, por isso, é a mais comercializada na FAF. No inverno, ocorre redução do comprimento e diâmetro das frutas em função das temperaturas mais baixas e por isso, há uma redução das quantidades comercializadas, embora a oferta seja contínua.

Quando se aplica a lógica da organização da agricultura familiar para os mercados, diante dos desafios apresentados para a oferta dos produtos, há espaço para que na relação com o consumidor, ocorra o fluxo de informações, sem assimetrias. Nesse sentido, a percepção de qualidade pelo consumidor pode ser baseada na visão de processo, de qualidade biológica, frescor, sabor, gastronomia e na segurança alimentar, em contraposição a padronização e especialização, dada pela visão de produto – aparência, tamanho e formato e, ainda, as relações de reciprocidade com consumidores associadas a trocas e dádivas simbólicas, que incluem as explicações em torno dos produtos e da sua sazonalidade (Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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; Sabourin et al., 2014Sabourin, E., Thomas, S., Egret, L., & De Avila, M. L. (2014). Inovação social na comercialização de produtos orgânicos e agroecológicos da agricultura familiar no Distrito Federal. Sustentabilidade em Debate, 5(3), 98-119. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://periodicos.unb.br/index.php/sust/article/view/15651
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).

A sazonalidade da oferta dos itens da cesta associa-se a múltiplos aspectos, como as alterações no período chuvoso, fotoperíodo, temperatura, condições que, em conjunto com a biodiversidade introduzida nos agroecossistemas, como ambientes artificializados e construídos, confluem na produção para a família e para os mercados. Essas alterações implicam na variação de excedente de produção própria, ofertado ao longo do ano e consequente mudança no perfil da produção, trazendo como característica a dinâmica de oferta/ demanda que, assim como o espaço itinerante da FAF, interfere também na renda do agricultor feirante.

Desse modo, a renda é variável ao longo do ano, e fortemente influenciada pela sazonalidade. Intensificar a oferta de hortaliças e frutas nos períodos de safra das culturas é uma estratégia para compensar a perda de faturamento nos meses fracos de vendas e conciliar com os princípios agroecológicos da produção. Nesse sentido, o planejamento coletivo de oferta é uma forma de inovação para as FAAs e os resultados quantitativos poderão ser analisados por meio da metodologia empregada no presente estudo.

Como foi apresentado no referencial teórico, nos sistemas de produção em bases agroecológicas, o melhor proveito a se tirar da sazonalidade é o de produzir com maior eficiência a partir de processos biológicos que operam no período em que as condições são adequadas para a produção das culturas, diminuindo os riscos de perdas na produção (Gliessman, 2001Gliessman, S. R. (2001). Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Editora da UFRGS. ). Além disso, oportuniza-se a construção de dietas localmente referenciadas, que possam implicar em maior diversidade de alimentos produzidos e ofertados ao longo do ano.

No que tange à sazonalidade da oferta, interações e relacionamentos face a face agricultor-consumidor, conforme mostrado por Chiffoleau et al. (2017)Chiffoleau, Y., Akermann, G., & Canard, A. (2017). Les circuits courts alimentaires, un levier pour une consommation plus durable: Le cas d’un marché de plein vent. Terrains & Travaux, 31, 157-177. http://dx.doi.org/10.3917/tt.031.0157
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em CCC, na França, foram capazes de induzir a evolução de novas práticas de consumo por consumidores com diferentes perfis, níveis de sensibilidade, engajamento e consumo político. As mudanças foram capazes de recompor a relação das pessoas com os produtos que consomem, e com os agricultores ou intermediários parceiros. Além disso, respeitando a estação, os consumidores redescobriram sabores e resgataram alimentos. É essa oportunidade de reconexão e relocalização que a FAF traz como canal no CCC.

Os agricultores-feirantes mantêm uma produção diversificada, ainda que com as aptidões e preferências para os carros-chefes (principais produtos de cada estabelecimento), e por isso, na FAF, o perfil da oferta busca atender desejos e necessidades dos consumidores, mas também escolhas e preferências individuais dos agricultores alinhadas a determinadas instituições informais. As principais instituições sociais levantadas em três mercados na Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul elencadas nas práticas de comercialização e consumo dos atores nos mercados são barganha, variedade, preço e qualidade atribuída aos alimentos (Cassol & Schneider, 2021Cassol, A., & Schneider, S. (2021). A imersão social da economia em mercados alimentares brasileiros: uma abordagem institucionalista. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60, e233766.; Cassol, 2018Cassol, A. P. (2018). Instituições sociais e mercados alimentares tradicionais: barganha, preços, variedade, qualidade e consumo em feiras (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. ). A necessidade de composição diversificada da banca, com a lógica de levar de tudo um pouco, comporta a visão de retorno financeiro como um componente do processo decisório na FAF, o que está de acordo com o maior controle sobre o processo produtivo, conferindo um peso maior ao conhecimento e ao trabalho do agricultor, aspecto valorizado nos CCC como processo para favorecer a agência individual dos agricultores (van der Ploeg, 2008van der Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e Impérios Alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalicação. Porto Alegre: UFRGS Editora.).

Nesse contexto, as estratégias comerciais adotadas se respaldam na reflexão de que a FAF representa oportunidade para facilitar o escoamento de produtos frescos que devem ser produzidos na época recomendada, repercutindo na oferta de produtos com maior diversidade – o que está de acordo com princípios agroecológicos para a produção e com a promoção da agrobiodiversidade, preservando a maior autonomia dos agricultores na decisão sobre a comercialização e ao mesmo tempo garantindo o abastecimento dos mercados para consumidores que não são passivos, mas ativos em diferentes graus no processo de reconexão com os produtos (Viegas et al., 2017Viegas, M. T., Rover, O. J., & Medeiros, M. (2017). Circuitos (não tão) curtos de comercialização e a promoção de princípios agroecológicos: um estudo de caso na região da grande Florianópolis. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 42, 370-384. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v42i0.50759
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; Chiffoleau et al., 2017)Chiffoleau, Y., Akermann, G., & Canard, A. (2017). Les circuits courts alimentaires, un levier pour une consommation plus durable: Le cas d’un marché de plein vent. Terrains & Travaux, 31, 157-177. http://dx.doi.org/10.3917/tt.031.0157
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Relações entre oferta, vendas e preços na FAF

Corroborando o calendário de comercialização, os números índices que representam a quantidade ofertada refletem uma alta variação ao longo do ano (Tabela 2). A oferta de hortaliças e frutas na FAF cresce entre os meses de fevereiro até junho, época em que as temperaturas se tornam mais amenas e mais propícias à produção. Em julho, a quantidade ofertada diminuiu por conta do recesso acadêmico, voltou a aumentar no mês de agosto com o retorno das atividades, e continuou subindo em setembro, declinou em outubro até dezembro, quando se registrou novamente o aumento das temperaturas que restringiram a produção. A maior variação negativa de índices de quantidades ofertadas em relação ao mês anterior ocorreu no mês de dezembro (-820,3).

Tabela 2
Números índices de quantidades ofertadas e preços da cesta de produtos da Feira da Agricultura Familiar na UFRRJ, nos anos de 2017, 2018 e 2019.

Nos meses de julho e dezembro, a sazonalidade da demanda influenciou na oferta, pois devido ao recesso acadêmico ocorreu a interrupção das edições da FAF. Assim, a oferta foi modulada por dois fatores – a produção agroecológica na baixada fluminense (dezembro) e pela demanda que foi interrompida nos períodos de recesso (julho e dezembro). No mês de julho, apenas a abóbora, a beterraba e o jiló não mostraram redução de quantidades ofertadas mesmo com a redução do número de feiras.

Os números índices de quantidades ofertadas apresentaram variação positiva ao longo do ano para quase todos os itens da cesta, com exceção da mostarda, do limão galego, tahiti e do coentro, o que pode se relacionar com a irregularidade da oferta desses itens ao longo do ano. O aipim, apesar de ser fornecido e colhido durante todo o ano, apresentou uma variação negativa, o que sugere que outros fatores influenciaram na oferta, como por exemplo, o número de feirantes comercializando esse item na FAF, sinalizando que há oportunidade de ampliar a oferta de aipim.

Com relação aos preços, os números índices mostraram variações ao longo do ano, porém estas foram muito inferiores às variações das quantidades ofertadas. Enquanto as quantidades ofertadas apresentaram variações muito expressivas, que ultrapassaram 200% para vários itens da cesta, as maiores variações positivas foram detectadas para os índices de preço de abóbora e milho verde (+89,4) no mês de maio em comparação ao mês de abril.

Ao investigar como a oferta influenciou as vendas, a correlação entre números índices de quantidades ofertadas e comercializadas foi positiva, muito forte ou forte para todos os itens da cesta, o que sugere que, com aumento da oferta, houve um aumento das quantidades vendidas (Tabela 3). Relacionando com o calendário de comercialização, um aumento das quantidades ofertadas pode indicar que as bancas estavam mais abastecidas com produtos em quantidade e de melhor qualidade, atendendo de forma mais efetiva à demanda. Estudos qualitativos sobre hábitos e preferências de consumidores de produtos hortícolas nas FAAs relacionam aspectos como apresentação, frescor, aparência, sabor e vida útil, bem como a diversidade de produtos e formas de produção mais sustentáveis à influência positiva na decisão de compra (Cazane et al., 2014Cazane, A. L., Machado, J. G. D. C. F., & Sampaio, F. F. (2014). Análise das feiras livres como alternativa de distribuição de frutas, legumes e verduras (FLV). Informe Gepec, 18(1), 119-137.; Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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; Souza et al., 2008Souza, R. S. D., Arbage, A. P., Neumann, P. S., Froehlich, J. M., Diesel, V., Silveira, P. R., Silva, A., Corazza, C., Baumhardt, E., & Lisboa, R. S. (2008). Comportamento de compra dos consumidores de frutas, legumes e verduras na região central do Rio Grande do Sul. Ciência Rural, 38(2), 511-517.).

Tabela 3
Correlação entre quantidade ofertada, quantidade comercializada e preço de itens da cesta da Feira da Agricultura Familiar na UFRRJ, nos anos de 2017, 2018 e 2019

Com o incremento do consumo de hortaliças e frutas no Brasil como resposta à demanda de consumidores mais conscientes sobre as relações entre alimentação e qualidade de vida, abrem-se oportunidades para os agricultores familiares atuarem com melhorias em pontos estratégicos para otimizar o escoamento da produção, como a cooperação horizontal visando ao planejamento da produção e da oferta (Santos et al., 2022Santos, R. H., Malacoski, F. C. F., de Alencar Schiavi, S. M., & de Souza, J. P. (2022). Cadeia de frutas, verduras e legumes no Brasil: uma revisão bibliográfica sobre as transações e estruturas de governança. Organizações Rurais & Agroindustriais, 24, e1883-e1883.). Para isso, assumem grande importância as ações de assistência técnica e extensão rural que conectam a produção, a comercialização e a organização dos agricultores para o atendimento às FAAs, incluindo também ações que melhorem a infraestrutura e boas práticas nesses canais, além da certificação orgânica e o processamento dos produtos.

Essa constatação também se relacionou com o aumento da média de faturamento bruto. Nos três anos analisados, a média de faturamento aumentou no primeiro semestre (fevereiro a julho), com pico nos meses de maio e junho e, no segundo semestre (agosto a dezembro), nos meses de setembro a outubro. Esses períodos coincidiram com a maior concentração da oferta de produtos na FAF, o que se relacionou com a influência das condições edafoclimáticas na baixada fluminense e com o funcionamento da FAF na Universidade, impactando diretamente a renda dos feirantes.

No que concerne à sazonalidade da demanda, discute-se que as diversificações de canais de comercialização, sobretudo no fortalecimento das relações com os consumidores com entregas em domicílio e vendas na propriedade, são estratégicas para manter a geração de renda para além do funcionamento da FAF no espaço institucional. A diversidade de canais permite aos agricultores familiares exercerem escolhas com mais liberdade e isso recai na resiliência desses atores e na sua reprodução social. A autonomia fortalece a capacidade de agência dos agricultores familiares – inserção por meio da liberdade de escolha e a construção de alternativas (Schneider, 2010Schneider, S. (2010). Reflexões sobre diversidade e diversificação. Revista Ruris, 4(1), 85-131.; Deggerone & Schneider, 2022Deggerone, Z. A., & Schneider, S. (2022). Os canais de comercialização utilizados pelos agricultores familiares em Aratiba–RS. Organizações Rurais & Agroindustriais, 24, e1892-e1892.).

Com relação ao comportamento dos preços em função da oferta, a correlação entre números índices para os itens da cesta tomados individualmente apresentou diferenças expressivas, inclusive dentro do mesmo grupo. Dos 26 itens, 61,5% apresentaram correlação desprezível ou fraca entre quantidades ofertadas e preços, ou seja, independente das quantidades ofertadas, os preços foram constantes ao longo do ano. Entretanto, 38,5% dos itens apresentaram correlação moderada ou forte, indicando uma tendência de variação de preços em função da oferta. Desses, apenas para o limão galego, a banana prata mel e o coentro a correlação negativa foi significativa. Dois produtos apresentaram correlação positiva moderada (manjericão e batata doce), ou seja, com aumento da quantidade ofertada também houve aumento do preço.

Esses resultados indicaram que na FAF os preços da maioria dos produtos não sofreram alteração em função da sazonalidade da oferta, são portanto, mais estáveis para o produtores e para os consumidores. O calendário de comercialização da FAF, em contraste com centrais atacadistas, reflete a informação para o consumidor no sentido de consumir produtos da sazonalidade, não pelo menor preço, mas pela maior quantidade ofertada e qualidade dos itens da cesta. E, para o agricultor feirante, sinaliza que o maior faturamento acompanhará os períodos de maior oferta e de número de feiras, o que foi reforçado nesse estudo pela alta correlação entre quantidades ofertadas e comercializadas.

Provavelmente, esse fenômeno está associado ao fato de que a produção é própria e descolada dos mercados convencionais. Na FAF, apesar da produção ser feita pelos agricultores de forma individual, a oferta é organizada por ações de ATER e os preços não são fatores de competitividade, são coordenados pelo grupo e os produtos têm valor agregado. Em contraste, nas FLTs, os preços são mais influenciados pelas interações entre oferta e demanda ao longo do ano com dependência das regras de classificação, embalagens e logísticas impostas por atacadistas e redes de supermercados aos agricultores tomadores de preço. Nesses canais, o preço é um fator de decisão de considerável importância e acirra a concorrência entre os agricultores (Mendes & Padilha, 2007Mendes, J. T. G., & Padilha, J. B. (2007). Agronegócio uma abordagem econômica. São Paulo: Pearson Education do Brasil.; Araujo & Ribeiro, 2018Araujo, A. M., & Ribeiro, E. M. (2018). Feiras, feirantes e abastecimento: uma revisão da bibliografia brasileira sobre comercialização nas feiras livres. Estudos Sociedade e Agricultura, 26(3), 561-583. http://dx.doi.org/10.36920/esa-v26n3-4
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).

O estímulo à criação de FAAs pode facilitar o escoamento da produção por agricultores familiares, bem como o preço estável contribui para reduzir a incerteza de mercado associada aos riscos das transações envolvendo hortaliças e frutas, especialmente quando as condições de preços são insuficientes para cobrir os custos de produção, aumentam as perdas e forçam os agricultores a produzir o mesmo mix de produtos gerando oferta além da demanda e criando uma círculo vicioso que pressiona ainda mais a remuneração para baixo (Santos et al., 2022Santos, R. H., Malacoski, F. C. F., de Alencar Schiavi, S. M., & de Souza, J. P. (2022). Cadeia de frutas, verduras e legumes no Brasil: uma revisão bibliográfica sobre as transações e estruturas de governança. Organizações Rurais & Agroindustriais, 24, e1883-e1883.; Rover & Darolt, 2021Rover, O. J., & Darolt, M. R. (2021). Circuitos curtos de comercialização como inovação social que valoriza a agricultura familiar agroecológica. In M. R. Darolt & O. S. Rover (Eds.), Circuitos curtos de comercialização, agroecologia e inovação social (pp. 19-43). Florianópolis: Estúdio Semprelo. Recuperado em 10 de fevereiro de 2024, de https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229738/circuitos_curtos.pdf?sequence=1#page=19
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).

Por meio da correlação entre índices de preços e quantidades comercializadas, também se averiguou como os preços afetaram as vendas dos itens da cesta, ou seja, a resposta do consumidor nas compras. Para 76,9% dos itens da cesta, a correlação entre índices de preços e quantidades comercializadas foi desprezível ou fraca, mostrando que nas condições desse estudo, o consumidor da FAF adquiriu os itens independentemente da variação de preço, não aumentando as compras quando os preços diminuíram e nem reduzindo quando os preços aumentaram. Para apenas 23,1% dos itens, a correlação foi negativa, moderada ou forte, sendo significativa apenas para o limão galego, a banana prata mel e o coentro, o que sugere que os consumidores compraram uma menor quantidade desses itens na FAF em função do preço. Consumidores podem reduzir o consumo ou substituir esses itens por outros do mesmo grupo de produtos, por exemplo, a banana prata mel pode ser substituída pela banana d´água e o limão galego pelo tahiti. Entretanto, para a batata doce, a correlação entre preço e quantidade comercializada foi positiva, significando que as vendas aconteceram acompanhando a oferta, independentemente do preço.

Esses achados se relacionam a fatores como o engajamento dos consumidores nas FAAs ao situar valores atribuídos aos produtos com preço justo, visando à satisfação de suas necessidades por saúde e bem-estar e de valorização da produção agroecológica a partir das relações diretas com os agricultores-feirantes (Cruz & Schneider, 2022Cruz, M. S., & Schneider, S. (2022). Feiras alimentares e mercados territoriais: a estrutura e o funcionamento das instituições de ordenamento das trocas locais. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 42(1), 93-113.; Renting et al., 2017Renting, H., Marsden, T., & Banks, J. (2017). Compreendendo as redes alimentares alternativas: o papel de cadeias curtas de abastecimento de alimentos no desenvolvimento rural. In S. Schneider & M. Gazolla (Eds.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas–negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 27-52). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Souza, 2000Souza, M. C. M. D. (2000). Produtos orgânicos. In D. Zylbersztajn & M. F. Neves (Eds.), Economia e gestão dos negócios agrolimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição (pp. 385-400). São Paulo: Pioneira.). Os preços dos produtos orgânicos e agroecológicos podem restrigir o consumo a grupos de pessoas com nível de escolaridade e renda mais elevada. Não obstante, nas FAAs os preços são mais acessíveis e, em alguns casos, podem igualar-se ou ser inferiores aos convencionais nos mercados de hortaliças e frutas (Gaia et al., 2022Gaia, J. A., da Silva Gomes, A., de Oliveira, A. D. S., de Souza, B. G., Wanderley, T. M., & Longo-Silva, G. (2022). Alimentos em feiras agroecológicas e orgânicas são mais caros que convencionais em supermercados? Revista Brasileira de Agroecologia, 17(3), 176-191.). Para produtos orgânicos, registra-se forte fidelização dos consumidores, não sendo comum a reversão de hábitos de consumo, mesmo que os preços sejam mais altos (Ferreira & Coelho, 2017Ferreira, A. S., & Coelho, A. B. (2017). O papel dos preços e do dispêndio no consumo de alimentos orgânicos e convencionais no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55, 625-640.). Por outro lado, preços mais baixos podem induzir ao aumento das aquisições, porém não foi observada essa resposta com o aumento das vendas no presente estudo.

Conclusões

O presente artigo permite uma inovação na literatura acadêmica das FAAs como espaços mercadológicos, com ênfase para os canais de comercialização derivados de contextos econômicos específicos, como a FAF. Conclui-se que:

  • os agricultores-feirantes não constituem um todo homogêneo, atomístico e não são tomadores de preços;

  • a renda dos agricultores-feirantes é influenciada pela sazonalidade da demanda e da oferta;

  • os efeitos da sazonalidade são impactantes sobre a oferta e as vendas, mas reduzidos com baixa volatilidade de preços;

  • a oferta exerce uma influência positiva sobre as quantidades vendidas, é diversificada e os itens apresentam substitutos próximos dentro de uma mesma categoria de produtos;

  • a FAF articula agricultores-feirantes com consumidores que têm respondido à valorização dos produtos;

    • o calendário de comercialização sinaliza oscilações na oferta dos itens da cesta aos consumidores e no faturamento para os agricultores-feirantes.

  • Como citar: Miranda, S. P., Wegner, R. C., & Dias, A. (2024). Comercialização nas feiras da agricultura familiar: um estudo de caso sobre a estrutura desses canais. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(4), e270700. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.270700
  • Fonte de financiamentoEste artigo é parte do trabalho de dissertação de mestrado desenvolvida pela primeira autora no Programa de Pós-Graduação em Agricultura Orgânica, apoiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ (Proc.E-26/2010.988/2021) e pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico - CNPq (Proc.: 402830/2017).
  • JEL Classification: Q12, Q13 e M31.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Dez 2022
  • Aceito
    10 Fev 2024
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